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A comunicação truncada atrapalha a Justiça, os negócios e o cotidiano; conheça as técnicas para textos precisos, ordenados e compreensíveis
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Estudo
A comunicação truncada atrapalha a Justiça, os negócios e o cotidiano; conheça as técnicas para textos precisos, ordenados e compreensíveis
Luiz Costa Pereira Junior
Clareza pode ser questão de Justiça. Que o diga o pedreiro Gleison Lopes de Oliveira, solto por erro na interpretação de frase confusa, após ser preso pela morte do empresário Nelson Schincariol, em Itu (SP).
Gleison foi acusado de integrar a quadrilha que cometeu o crime, em agosto de 2003. Um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo recusara habeas corpus para o réu, mas comunicou a decisão num texto tão pouco claro que o juiz de Itu, José Fernando Azevedo Minhoto, entendeu o oposto e mandou soltar Gleison em 17 de abril de 2004. Quando, 11 dias depois, a ordem foi revogada, o pedreiro já chispara do pedaço.
Ele foi recapturado, e sua sorte com habeas corpus já não seria igual. No fim do ano, o Supremo Tribunal Federal negou novo pedido para que ele responda à acusação em liberdade. Cabe recurso, mas é improvável que a Justiça repita um deslize como o da frase de 17 linhas, que aceitava o pedido da defesa de anular depoimentos, mas rejeitava o da liberdade provisória do pedreiro.
A confusão veio com o fim da oração: "deferindo liberdade provisória ao paciente", lida pelo juiz como frase autônoma, e não como complemento de raciocínio anterior. O caso virou símbolo do estrago que uma redação confusa provoca na interação humana.
Clareza é a qualidade de uma mensagem que não deixa dúvidas razoáveis sobre seu sentido. Uma frase como "O pai o filho adora" nos lança uma sombra interpretativa, difícil de dissolver sem explicação adicional (o filho adora o pai ou o inverso?). A falta de clareza entrava a Justiça, alonga reuniões, rouba tempo, faz contratos distorcerem direitos, beneficia quem não deve, prejudica quem não merece.
Economia
Uma linguagem clara tem, por exemplo, valor de mercado. No mundo empresarial, uma só frase sem clareza pode ser motivo de punição. A Lorenzetti foi multada no ano passado, por órgão do Ministério da Justiça, em mais de R$ 112 mil. Tudo pela falta de clareza na embalagem da ducha Capry: "Fabricada na RPC", suposta abreviação de "República Popular da China", mas sigla a que os consumidores não estão habituados. A empresa recorreu.
Sujeito oculto
A ação de cada oração abaixo se refere a qual sujeito?
1. Ricardinho contou ao amigo que sua mulher saiu com o Ricardão.
2. O que houve entre Ricardinho e sua mulher?
3. Havia uma criança na platéia que vaiava.
O Bradesco, por sua vez, foi obrigado pela Justiça a, desde 2007, usar linguagem clara nos contratos de empréstimos consignados. A medida beneficiou 4 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, que tomavam dinheiro emprestado do banco, com desconto em sua pensão, assumindo quase sempre endividamentos altos por não entenderem os termos que assinavam. Multa de R$ 10 mil por contrato pouco claro.
A falta de clareza afeta toda a economia, completa o gramático Francisco Platão Savioli. Ele lembra episódio com o economista Pérsio Arida, que com uma frase teria feito um rombo cambial no Brasil. Na Folha de S. Paulo, em 12 de março de 1995, o então presidente do Banco Central avaliava sinais de especulação: "Houve um ataque especulativo contra o Plano Real", disse. Era outro jeito de dizer que "os investidores acreditam que o Real dará errado". Mas fez um punhado de bancos correr feito piranha à caça de dólares. Outros os imitaram, achando que a concorrência tivera informação privilegiada. US$ 4 bilhões deixaram o país até o fim daquele mês.
A atual crise mostrou que falta de conhecimento também é máquina de interpretações truncadas, diz William Eid Jr., coordenador do Centro de Estudos em Finanças, da Fundação Getúlio Vargas-SP. Para ele, a aposta em derivativos cambiais, recomendada por relatórios e contratos herméticos, causou perdas bilionárias a cerca de 500 empresas, como Sadia, Aracruz e Votorantim. Num contrato de derivativos, a empresa concorda, por exemplo, em negociar dólar a um preço, em data futura, em troca de juros atraentes. A previsão de valor e conseqüências do acordo, diz Eid, depende de um cálculo complexo, "estocástico", que integra e diferencia funções em cenários flutuantes. Mas as empresas entraram na onda sem especialistas que fizessem tal cálculo, diz ele.
- A decisão delas foi baseada em relatórios e comunicados de fatos relevantes. A linguagem hermética levou muita gente a entrar numa roleta russa. A perda de clareza nos relatórios foi fruto da falta de conhecimento - afirma Eid Jr.
Clareza prévia
Uma frase perde clareza por muitos fatores, da má ordenação das ideias à pontuação inadequada. Ser claro requer esforço. E seguir conselhos, que não são tudo. A linguística textual mostrou que sentidos se formam no conjunto da enunciação e dos significados configurados na memória. Há clareza a ser cultivada antes até do primeiro esboço. "Clareza prévia" é saber que, na prática, um leitor também "lê" com a memória. Ao fim da leitura, é improvável que se tenha um texto inteiro na mente, palavra por palavra. Tendemos a fazer pausas, para que nossa memória de curto prazo forme um resumo do lido até ali. É com essa síntese mental que continuamos a leitura.
Com excesso de incisos e elementos intercalados, o leitor terá dificuldade de saber seu momento de fazer a pausa vital a seu resumo. É preciso atenção a tudo que atrapalhe a síntese mental. Alguns obstáculos são semânticos: termos raros, gíria e formulações desconhecidas ou pouco acessíveis. Outros são sintáticos:
- Apostos desarticuladores;
- Frágil progressão de tópicos;
- Acúmulo de ideias na frase;
- Anacolutos (começar falando uma coisa, encerrar com outra:
"O advogado que não escreve o que diz, não é difícil prever situações de conflito no tribunal");
- Hipérbatos (troca da ordem direta dos termos da oração): "Aguenta a escola pública da privada uma concorrência desleal" (melhor seria: "A escola pública aguenta uma concorrência desleal da privada").
Outra preocupação prévia é a busca pela informação compartilhada pelo leitor. Quem nos lê ou escuta não tem obrigação de intuir o que sabemos e pensamos. O diretor da agência Unic Building, que já atendeu empresas como United Airlines, CVC e Blue Tree, Josafá Vilarouca acostumou-se a lidar com executivos. Sua agência fez "mapas de performance" em 30 empresas nestes dois anos, como a multinacional de embalagem Tetra Pak e a editora Saraiva. Em todas, ser claro era o principal gargalo dos executivos.
- Erros de clareza com a mídia são mais difíceis de contornar do que evitar - diz ele.
Vilarouca recomenda cuidados a profissionais que querem comunicar-se no meio de negócios, em reuniões de trabalho e com a imprensa.
1) Seja eficiente nas respostas.
2) Estimule sua capacidade didática, falando da posição de quem ensina, não de quem já sabe.
3) Construa, na mente do ouvinte, uma imagem do que você fala.
4) Dê requinte de detalhes.
Quando escrevemos, outras metas se impõem. É preciso ordenar ideias e termos da oração (sujeito, predicado, complementos), cuidado na escolha de palavras e usá-las em construções sintáticas as mais simples. Um texto bem escrito não provoca perguntas de preenchimento.
- Se retomo a frase para entendê-la, um problema há - diz Savioli.
Pensar o todo é condição de clareza. Um texto se organiza em torno de um elemento de referência, que lhe dá coesão. A partir dele, o resto se posiciona. Uma ideia deve levar a outra, sem saltos. Um parágrafo relaciona-se ao anterior e ao seguinte.
Clareza coerente
Para Diana Guardiola, no ensaio Del Texto Claro al Discurso Coherente, o contexto completa e induz o sentido de uma sentença com variável aberta. "Ainda tenho muito a fazer" pode significar: "Conversamos depois". A comunicação cotidiana nem sempre se baseia na interpretação direta, que não pede outros sentidos que não os do enunciado.
Se falta clareza a "Renan Calheiros depôs sobre corrupção no Senado" (depôs sobre quem? O Senado? Sobre si?), saber o contexto (que Renan foi processado) torna mais evidente o caráter truncado do período. A leitura atenta detecta elementos que faltam e se a abordagem foi adequada à situação comunicativa. Para o texto virar uma "unidade inegável de sentido", um tecido em que partes remetem umas às outras, deve haver relação entre o tema e as "seqüências restantes que predicam sobre ele", diz Guardiola. Isso pode evitar prejuízos à imagem do enunciador.
Um jornal noticiou que a "Odebrecht foi responsável pelo túnel Ayrton Senna, aquele que ficou conhecido por ter custado mais caro que o (do) canal da mancha", e o fez sem o (do), o que torna a comparação mentirosa. Pegou mal par o jornal, não para a empreiteira.
Para Savioli, o desafio é imaginar como se será lido: pensar no interlocutor e adequar a linguagem a ele.
- Claro é o texto entendido da maneira mais imediata. Mas o que é claro a um nem sempre o é a outro. O enunciatário (leitor) é tanto autor da mensagem quanto o enunciador. Se o sujeito quer ser entendido, deve reler o próprio discurso, imaginando como será recebido - explica.
É preciso fingir ser seu leitor, para buscar o que o rascunho deixou de fora. O leitor ou ouvinte não deve passar pelas dificuldades que você passou ao rever o próprio original.
Para Platão Savioli, clareza também depende do gênero.
- Uma ambigüidade num texto não literário é defeito grave. Numa poesia, é charme - diz o gramático.
Justiça
Mas até quando há fim utilitário, diz ele, um texto pode não ser claro de propósito. Um gerente pode, de caso pensado, não ser claro sobre pontos que o incomodam no desempenho de um empregado, só para evitar o confronto. Ser confuso sobre certas diretrizas da empresa pode traduzir o empenho de um chefe em não desencorajar sua equipe.
- Lembro da carta de demissão do ministro da Saúde Adib Jatene ao presidente Fernando Henrique, em 1996. "Repito a frase aprendida de Vossa Excelência: a política não é a arte do possível; é a arte de tornar o possível necessário", escreveu Jatene. FHC percebeu a manobra e respondeu: "Exatamente porque acredito que é preciso tornar possível o necessário, apoiei a CPMF (imposto do cheque, revertido à Saúde)". A ordem dos fatores, num caso, associa a política ao engodo. No outro, a dignifica.
Ambiguidade pode vir da má fé. Jeanlise Velloso Couto, da Secretaria do Centro de Arbitragem da Ancham (Câmara Americana de Comércio), viveu na pele o impacto de um texto truncado. Há uns anos, seu pai assinou um seguro de vida acreditando proteger a família. Mas a apólice esgrimou expressões como "beneficiário" e "segurado" e o fez entender que beneficiaria sua mulher, mas invertia os papéis: ela era a titular, ele o beneficiado. O engano só foi notado após a morte do pai de Jeanlise.
- Erros de clareza são perigosos. Podem ser a diferença entre o acesso a um direito ou sua perda - diz ela.
A flata de clareza vira falácia argumentativa quando uma definição é tão complicada quanto o termo a definir. Em "Catalisar é provocar processos enzimáticos", a definição de "catalisar" não é explicada por "processos enzimáticos". Construções assim, em contratos, apólices e decisões judiciais, minam direitos. Para o advogado Iberê Bandeira de Mello, ex-membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, excessos de linguagem e falta de cultura levam a confundir prolixidade, o falar demais, com conhecimento.
- Decisões judiciais são em geral prolixas, por vezes omissas, quando deixam de manifestar-se sobre o que se pediu. Mas nem sempre confusas. A falta de clareza está na forma que usam ao omitir o principal - diz.
O advogado vê falta de clareza na recente divulgação da decisão do STF, pela qual o réu só será preso se condenado ao fim do processo.
- Como regra geral, o réu deve ser solto. Mas isso não anula a prisão liminar ou preventiva, por exemplo. Isso não foi dito. Só ficou a sensação de que agora pode tudo - afirma.
Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça-SP e professor da Faculdade de Direito da USP, acredita que, no Direito, podemos ser vítimas da falta de clareza em três órbitas:
1) Na confecção da norma. Quando a lei dá margem a interpretações controversas.
2) Nas decisões. Há um recurso, "embargo de declaração", só para sanar obscuridades em sentenças.
3) Na petição. Quando o advogado não sabe ser mais claro do que foi. É o mais frequente, diz Toledo.
Sinceridade
Se a pessoa não precisa ser clara, ou não quer, e em textos que descartam a clareza como valor, o receptor vira o fiel da balança. Um leitor interessado pode suportar um texto árido. Mas nada desculpa ser difícil por "defeito de escrita", diz Savioli.
- Grande parte dos textos difíceis é só mal escrita. Se compartilhamos o universo de referência, podemos ser econômicos ao nos comunicar; se não, devemos traduzir - diz ele.
Um texto truncado pode ser, no fundo, sinal de falta de sinceridade. Ser claro é expor-se à avaliação alheia. Há quem escreva truncado como se usasse um escudo que, protetor, também o camufla. Nesses casos, o problema é antes de divã, ou de caráter, do que de redação. A maioria, no entanto, patina por falta de familiaridade com o idioma. Aí não há jeito: é preciso pôr-se no papel de leitor, até que se lapide um sentido cristalino. Mais revisão, maior fluência. Mas dá um trabalho danado.
Cuidados
- Tenha em mente o projeto de texto que você se propõe.
- Confira se o texto flui ponto a ponto.
- Verifique se afirmações se antecipam a eventuais indagações do leitor.
- Corte o que for irrelevante.
- Não omita informações; não exagere nos detalhes.
- Não insista em fatos de que o leitor já disponha.
- Melhor dispor de forma linear os elementos da frase.
- Não se desvie do assunto.
- Veja se os trechos não devem ser distribuídos noutro ponto do texto.
- Não repita conectores, com muitos "que" para iniciar explicações ou restrições a termos já expostos.
- Busque palavras com sentidos apropriados ao tema.
- Evite usar termos como sinônimos, se não tiverem real relação semântica.
Dosar as ideias do texto
Para não congestionar idéias num período, é preciso dosar informações, expondo um conceito complicado por vez. Assim, não é tão clara a frase:
"Em troca de doações de equipamentos que as forças armadas da França não usam e substituíram por armas mais modernas, o governo brasileiro aceitou que militares franceses entrem na Amazônia para fazer vistorias".
Melhor seria: "O Brasil receberá doações de equipamentos que as forças armadas da França não usam e substituíram por armas mais modernas. Em troca, militares franceses poderão entrar na Amazônia para fazer vistorias".
Um teste de clareza
Some o total de pontos e confira o quanto você quer entender e se faz entender no dia a dia
A frase "A Petrobras terá de explicar a venda de refinarias ao Congresso":
A) Não é clara.
B) É clara, mas pode melhorar.
C) É claríssima.
"Para quem tem filhos e não sabe temos uma creche" não é clara por:
A) Inversão de "tem filhos" e "não sabe".
B) Falta de precisão.
C) Omissão de vírgulas.
Que informação é mais clara?
A) "A polícia rastreou a máfia".
B) "A máfia foi rastreada pela polícia".
C) "A máfia foi rastreada".
Ao reler seu texto, percebe uma palavra que pode soar obscura a leigos.
Você:
A) Busca outra, mesmo com esforço.
B) Só troca a palavra se lembrar outra na hora. Do contrário, deixa como está.
C) Acha que o leitor tem a obrigação de buscar o significado.
Se usam palavra que desconhece, você:
A) Pede explicações ou, numa leitura, vai ao dicionário.
B) Tenta extrair o sentido pelo contexto.
C) Ignora a palavra e continua a conversa ou a leitura mesmo assim.
Suas frases escritas seguem a ordem direta (sujeito, predicado, complemento)?
A) Sempre que necessário.
B) Nem sempre.
C) Muito pouco.
Seu texto se desviou do assunto.
Você:
A) Para e refaz tudo a partir do desvio.
B) Busca aproveitar o raciocínio que provocou o desvio, mas em outro trecho.
C) Segue como se nada tivesse ocorrido.
Ante um enunciado truncado numa prova de concurso ou vestibular, você:
A) Faz várias leituras até decifrá-lo.
B) Lê até o fim e, se ainda assim não entender, parte para outra questão.
C) Abandona o texto antes do fim.
Você tem o hábito de escrever uma ideia por período?
A) Sempre que possível.
B) Às vezes.
C) Quase nunca.
Não entendeu um certo conceito numa determinada pergunta.
Você:
A) Pede explicação antes de responder.
B) Muda o rumo da resposta, chamando atenção para outro aspecto da pergunta.
C) Fala como se conhecesse os conceitos.
PONTUAÇÃO:
Valor das respostas:
A = 3 pontos; B = 2 pontos; C = 1 ponto.
- De 21 a 30 pontos: Você se faz entender e se esforça por entender.
- De 11 a 20 pontos: Tenta comunicar-se, talvez precipitadamente. Pode melhorar se der espaço aos outros e for mais claro.
- 10 pontos: Há problemas de comunicação. É preciso mais empenho.
Tradução ministerial
Quando ministro da Cultura, Gilberto Gil fez discurso num evento, reproduzido por O Estado de S. Paulo (31/3/2003, D8) com intuito de expô-lo:
"A explosão demográfica é considerada um dos grandes problemas globais do último século, causando enormes embaraços ao processo de desenvolvimento da sociedade moderna e pós-moderna, e, já fazendo antever um planeta inviabilizado em seu futuro médio e longo, caso a tendência de aceleração do crescimento populacional não seja revertida, especialmente em áreas dos terceiro e quarto mundos, onde o amontoamento de populações, cada vez maiores e cada vez mais pobres, já permite antever um tempo de verdadeiros lixões humanos da dimensão assustadora de grandes metrópoles, polis onde o metro, a medida, a dimensão definidora seria a degradação final".
O leitor está convidado a reescrever o período, permitindo pausas necessárias a cada síntese mental do leitor. Sugestões para: redacao@revistalingua.com.br.
A fórmula matemática da clareza
Língua não é ciência exata, mas sempre há quem queira quantificá-la. Segundo estudo de Stefan Martins e Lucia Filgueiras, da Escola Politécnica da USP, desde 1920 há fórmulas matemáticas para avaliar a clareza de um texto. Nos anos 80, havia ao menos 200 delas e mais de mil estudos atestando sua validade.
Entre outras coisas, o trabalho (www.clihc.org/2007/papers/metodosavilacao_ID25_longpaper.pdf) mostra a aplicação ao português de fórmulas de medição da "apreensibilidade de informações textuais" (readability, se um texto é fácil de ler e compreensível). Chama a atenção, em particular, para dois estudos de Rudolf Flesch. Um, Flesch Reading Ease Readability Score, foi feito em 1948 e determina o grau de dificuldade de leitura de um texto.
A ideia subjacente à fórmula é que um maior número de palavras por frase, ou um maior número de sílabas por palavras diminui a legibilidade de um texto. Um escrito com índice superior a 70 seria fácil de ler, e textos com a pontuação abaixo de 30, muito difíceis. É evidente que, em língua portuguesa, a relação quantidade de palavras por sentença, por exemplo, não basta para definir a legibilidade. Outro inconveniente desse tipo de estatística é a falta de margem intuitiva de sua escala: não está clara a diferença entre a pontuação 45 e a 50, por exemplo.
Obscuridade premiada
A clareza virou pretexto para premiações na Inglaterra. A Plain English Campaign (campanha pelo inglês claro) é uma ONG criada em 1979, que estimula empresas e governos a se comunicarem de forma simples e recebe queixas de quem se diz vítima da linguagem burocrática ou ambígua.
Todo ano, o grupo de pressão agracia textos bem escritos e ridiculariza os truncados. Em 9 de dezembro, anunciou que George W. Bush venceu, "pelo conjunto da obra", o Foot in Mouth (pé na boca), entregue desde 1993 a quem mete os pés pelas mãos ao comunicar-se. Não foi a primeira honraria dada à gestão Bush. Em 2003, seu secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, venceu por uma declaração repleta de circunlóquios:
"Relatórios confirmando que uma coisa não aconteceu sempre me interessam porque, como se sabe, existem coisas sabidas que se sabe, há coisas que sabemos que sabemos. Também se sabe que existem coisas desconhecidas de que sabemos, quer dizer que sabemos que existem algumas coisas que não sabemos. Mas também existem coisas desconhecidas que não conhecemos, aquelas que não sabemos que não sabemos".
- Palavras não têm rugas
- Trocadalho do carilho
- Quê da questão
- A explicitação do implícito
Luiz Costa Pereira Junior
Clareza pode ser questão de Justiça. Que o diga o pedreiro Gleison Lopes de Oliveira, solto por erro na interpretação de frase confusa, após ser preso pela morte do empresário Nelson Schincariol, em Itu (SP).
Gleison foi acusado de integrar a quadrilha que cometeu o crime, em agosto de 2003. Um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo recusara habeas corpus para o réu, mas comunicou a decisão num texto tão pouco claro que o juiz de Itu, José Fernando Azevedo Minhoto, entendeu o oposto e mandou soltar Gleison em 17 de abril de 2004. Quando, 11 dias depois, a ordem foi revogada, o pedreiro já chispara do pedaço.
Ele foi recapturado, e sua sorte com habeas corpus já não seria igual. No fim do ano, o Supremo Tribunal Federal negou novo pedido para que ele responda à acusação em liberdade. Cabe recurso, mas é improvável que a Justiça repita um deslize como o da frase de 17 linhas, que aceitava o pedido da defesa de anular depoimentos, mas rejeitava o da liberdade provisória do pedreiro.
A confusão veio com o fim da oração: "deferindo liberdade provisória ao paciente", lida pelo juiz como frase autônoma, e não como complemento de raciocínio anterior. O caso virou símbolo do estrago que uma redação confusa provoca na interação humana.
Clareza é a qualidade de uma mensagem que não deixa dúvidas razoáveis sobre seu sentido. Uma frase como "O pai o filho adora" nos lança uma sombra interpretativa, difícil de dissolver sem explicação adicional (o filho adora o pai ou o inverso?). A falta de clareza entrava a Justiça, alonga reuniões, rouba tempo, faz contratos distorcerem direitos, beneficia quem não deve, prejudica quem não merece.
Economia
Uma linguagem clara tem, por exemplo, valor de mercado. No mundo empresarial, uma só frase sem clareza pode ser motivo de punição. A Lorenzetti foi multada no ano passado, por órgão do Ministério da Justiça, em mais de R$ 112 mil. Tudo pela falta de clareza na embalagem da ducha Capry: "Fabricada na RPC", suposta abreviação de "República Popular da China", mas sigla a que os consumidores não estão habituados. A empresa recorreu.
Sujeito oculto
A ação de cada oração abaixo se refere a qual sujeito?
1. Ricardinho contou ao amigo que sua mulher saiu com o Ricardão.
2. O que houve entre Ricardinho e sua mulher?
3. Havia uma criança na platéia que vaiava.
O Bradesco, por sua vez, foi obrigado pela Justiça a, desde 2007, usar linguagem clara nos contratos de empréstimos consignados. A medida beneficiou 4 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, que tomavam dinheiro emprestado do banco, com desconto em sua pensão, assumindo quase sempre endividamentos altos por não entenderem os termos que assinavam. Multa de R$ 10 mil por contrato pouco claro.
A falta de clareza afeta toda a economia, completa o gramático Francisco Platão Savioli. Ele lembra episódio com o economista Pérsio Arida, que com uma frase teria feito um rombo cambial no Brasil. Na Folha de S. Paulo, em 12 de março de 1995, o então presidente do Banco Central avaliava sinais de especulação: "Houve um ataque especulativo contra o Plano Real", disse. Era outro jeito de dizer que "os investidores acreditam que o Real dará errado". Mas fez um punhado de bancos correr feito piranha à caça de dólares. Outros os imitaram, achando que a concorrência tivera informação privilegiada. US$ 4 bilhões deixaram o país até o fim daquele mês.
A atual crise mostrou que falta de conhecimento também é máquina de interpretações truncadas, diz William Eid Jr., coordenador do Centro de Estudos em Finanças, da Fundação Getúlio Vargas-SP. Para ele, a aposta em derivativos cambiais, recomendada por relatórios e contratos herméticos, causou perdas bilionárias a cerca de 500 empresas, como Sadia, Aracruz e Votorantim. Num contrato de derivativos, a empresa concorda, por exemplo, em negociar dólar a um preço, em data futura, em troca de juros atraentes. A previsão de valor e conseqüências do acordo, diz Eid, depende de um cálculo complexo, "estocástico", que integra e diferencia funções em cenários flutuantes. Mas as empresas entraram na onda sem especialistas que fizessem tal cálculo, diz ele.
- A decisão delas foi baseada em relatórios e comunicados de fatos relevantes. A linguagem hermética levou muita gente a entrar numa roleta russa. A perda de clareza nos relatórios foi fruto da falta de conhecimento - afirma Eid Jr.
Clareza prévia
Uma frase perde clareza por muitos fatores, da má ordenação das ideias à pontuação inadequada. Ser claro requer esforço. E seguir conselhos, que não são tudo. A linguística textual mostrou que sentidos se formam no conjunto da enunciação e dos significados configurados na memória. Há clareza a ser cultivada antes até do primeiro esboço. "Clareza prévia" é saber que, na prática, um leitor também "lê" com a memória. Ao fim da leitura, é improvável que se tenha um texto inteiro na mente, palavra por palavra. Tendemos a fazer pausas, para que nossa memória de curto prazo forme um resumo do lido até ali. É com essa síntese mental que continuamos a leitura.
Com excesso de incisos e elementos intercalados, o leitor terá dificuldade de saber seu momento de fazer a pausa vital a seu resumo. É preciso atenção a tudo que atrapalhe a síntese mental. Alguns obstáculos são semânticos: termos raros, gíria e formulações desconhecidas ou pouco acessíveis. Outros são sintáticos:
- Apostos desarticuladores;
- Frágil progressão de tópicos;
- Acúmulo de ideias na frase;
- Anacolutos (começar falando uma coisa, encerrar com outra:
"O advogado que não escreve o que diz, não é difícil prever situações de conflito no tribunal");
- Hipérbatos (troca da ordem direta dos termos da oração): "Aguenta a escola pública da privada uma concorrência desleal" (melhor seria: "A escola pública aguenta uma concorrência desleal da privada").
Outra preocupação prévia é a busca pela informação compartilhada pelo leitor. Quem nos lê ou escuta não tem obrigação de intuir o que sabemos e pensamos. O diretor da agência Unic Building, que já atendeu empresas como United Airlines, CVC e Blue Tree, Josafá Vilarouca acostumou-se a lidar com executivos. Sua agência fez "mapas de performance" em 30 empresas nestes dois anos, como a multinacional de embalagem Tetra Pak e a editora Saraiva. Em todas, ser claro era o principal gargalo dos executivos.
- Erros de clareza com a mídia são mais difíceis de contornar do que evitar - diz ele.
Vilarouca recomenda cuidados a profissionais que querem comunicar-se no meio de negócios, em reuniões de trabalho e com a imprensa.
1) Seja eficiente nas respostas.
2) Estimule sua capacidade didática, falando da posição de quem ensina, não de quem já sabe.
3) Construa, na mente do ouvinte, uma imagem do que você fala.
4) Dê requinte de detalhes.
Quando escrevemos, outras metas se impõem. É preciso ordenar ideias e termos da oração (sujeito, predicado, complementos), cuidado na escolha de palavras e usá-las em construções sintáticas as mais simples. Um texto bem escrito não provoca perguntas de preenchimento.
- Se retomo a frase para entendê-la, um problema há - diz Savioli.
Pensar o todo é condição de clareza. Um texto se organiza em torno de um elemento de referência, que lhe dá coesão. A partir dele, o resto se posiciona. Uma ideia deve levar a outra, sem saltos. Um parágrafo relaciona-se ao anterior e ao seguinte.
Clareza coerente
Para Diana Guardiola, no ensaio Del Texto Claro al Discurso Coherente, o contexto completa e induz o sentido de uma sentença com variável aberta. "Ainda tenho muito a fazer" pode significar: "Conversamos depois". A comunicação cotidiana nem sempre se baseia na interpretação direta, que não pede outros sentidos que não os do enunciado.
Se falta clareza a "Renan Calheiros depôs sobre corrupção no Senado" (depôs sobre quem? O Senado? Sobre si?), saber o contexto (que Renan foi processado) torna mais evidente o caráter truncado do período. A leitura atenta detecta elementos que faltam e se a abordagem foi adequada à situação comunicativa. Para o texto virar uma "unidade inegável de sentido", um tecido em que partes remetem umas às outras, deve haver relação entre o tema e as "seqüências restantes que predicam sobre ele", diz Guardiola. Isso pode evitar prejuízos à imagem do enunciador.
Um jornal noticiou que a "Odebrecht foi responsável pelo túnel Ayrton Senna, aquele que ficou conhecido por ter custado mais caro que o (do) canal da mancha", e o fez sem o (do), o que torna a comparação mentirosa. Pegou mal par o jornal, não para a empreiteira.
Para Savioli, o desafio é imaginar como se será lido: pensar no interlocutor e adequar a linguagem a ele.
- Claro é o texto entendido da maneira mais imediata. Mas o que é claro a um nem sempre o é a outro. O enunciatário (leitor) é tanto autor da mensagem quanto o enunciador. Se o sujeito quer ser entendido, deve reler o próprio discurso, imaginando como será recebido - explica.
É preciso fingir ser seu leitor, para buscar o que o rascunho deixou de fora. O leitor ou ouvinte não deve passar pelas dificuldades que você passou ao rever o próprio original.
Para Platão Savioli, clareza também depende do gênero.
- Uma ambigüidade num texto não literário é defeito grave. Numa poesia, é charme - diz o gramático.
Justiça
Mas até quando há fim utilitário, diz ele, um texto pode não ser claro de propósito. Um gerente pode, de caso pensado, não ser claro sobre pontos que o incomodam no desempenho de um empregado, só para evitar o confronto. Ser confuso sobre certas diretrizas da empresa pode traduzir o empenho de um chefe em não desencorajar sua equipe.
- Lembro da carta de demissão do ministro da Saúde Adib Jatene ao presidente Fernando Henrique, em 1996. "Repito a frase aprendida de Vossa Excelência: a política não é a arte do possível; é a arte de tornar o possível necessário", escreveu Jatene. FHC percebeu a manobra e respondeu: "Exatamente porque acredito que é preciso tornar possível o necessário, apoiei a CPMF (imposto do cheque, revertido à Saúde)". A ordem dos fatores, num caso, associa a política ao engodo. No outro, a dignifica.
Ambiguidade pode vir da má fé. Jeanlise Velloso Couto, da Secretaria do Centro de Arbitragem da Ancham (Câmara Americana de Comércio), viveu na pele o impacto de um texto truncado. Há uns anos, seu pai assinou um seguro de vida acreditando proteger a família. Mas a apólice esgrimou expressões como "beneficiário" e "segurado" e o fez entender que beneficiaria sua mulher, mas invertia os papéis: ela era a titular, ele o beneficiado. O engano só foi notado após a morte do pai de Jeanlise.
- Erros de clareza são perigosos. Podem ser a diferença entre o acesso a um direito ou sua perda - diz ela.
A flata de clareza vira falácia argumentativa quando uma definição é tão complicada quanto o termo a definir. Em "Catalisar é provocar processos enzimáticos", a definição de "catalisar" não é explicada por "processos enzimáticos". Construções assim, em contratos, apólices e decisões judiciais, minam direitos. Para o advogado Iberê Bandeira de Mello, ex-membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, excessos de linguagem e falta de cultura levam a confundir prolixidade, o falar demais, com conhecimento.
- Decisões judiciais são em geral prolixas, por vezes omissas, quando deixam de manifestar-se sobre o que se pediu. Mas nem sempre confusas. A falta de clareza está na forma que usam ao omitir o principal - diz.
O advogado vê falta de clareza na recente divulgação da decisão do STF, pela qual o réu só será preso se condenado ao fim do processo.
- Como regra geral, o réu deve ser solto. Mas isso não anula a prisão liminar ou preventiva, por exemplo. Isso não foi dito. Só ficou a sensação de que agora pode tudo - afirma.
Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça-SP e professor da Faculdade de Direito da USP, acredita que, no Direito, podemos ser vítimas da falta de clareza em três órbitas:
1) Na confecção da norma. Quando a lei dá margem a interpretações controversas.
2) Nas decisões. Há um recurso, "embargo de declaração", só para sanar obscuridades em sentenças.
3) Na petição. Quando o advogado não sabe ser mais claro do que foi. É o mais frequente, diz Toledo.
Sinceridade
Se a pessoa não precisa ser clara, ou não quer, e em textos que descartam a clareza como valor, o receptor vira o fiel da balança. Um leitor interessado pode suportar um texto árido. Mas nada desculpa ser difícil por "defeito de escrita", diz Savioli.
- Grande parte dos textos difíceis é só mal escrita. Se compartilhamos o universo de referência, podemos ser econômicos ao nos comunicar; se não, devemos traduzir - diz ele.
Um texto truncado pode ser, no fundo, sinal de falta de sinceridade. Ser claro é expor-se à avaliação alheia. Há quem escreva truncado como se usasse um escudo que, protetor, também o camufla. Nesses casos, o problema é antes de divã, ou de caráter, do que de redação. A maioria, no entanto, patina por falta de familiaridade com o idioma. Aí não há jeito: é preciso pôr-se no papel de leitor, até que se lapide um sentido cristalino. Mais revisão, maior fluência. Mas dá um trabalho danado.
Cuidados
- Tenha em mente o projeto de texto que você se propõe.
- Confira se o texto flui ponto a ponto.
- Verifique se afirmações se antecipam a eventuais indagações do leitor.
- Corte o que for irrelevante.
- Não omita informações; não exagere nos detalhes.
- Não insista em fatos de que o leitor já disponha.
- Melhor dispor de forma linear os elementos da frase.
- Não se desvie do assunto.
- Veja se os trechos não devem ser distribuídos noutro ponto do texto.
- Não repita conectores, com muitos "que" para iniciar explicações ou restrições a termos já expostos.
- Busque palavras com sentidos apropriados ao tema.
- Evite usar termos como sinônimos, se não tiverem real relação semântica.
Dosar as ideias do texto
Para não congestionar idéias num período, é preciso dosar informações, expondo um conceito complicado por vez. Assim, não é tão clara a frase:
"Em troca de doações de equipamentos que as forças armadas da França não usam e substituíram por armas mais modernas, o governo brasileiro aceitou que militares franceses entrem na Amazônia para fazer vistorias".
Melhor seria: "O Brasil receberá doações de equipamentos que as forças armadas da França não usam e substituíram por armas mais modernas. Em troca, militares franceses poderão entrar na Amazônia para fazer vistorias".
Um teste de clareza
Some o total de pontos e confira o quanto você quer entender e se faz entender no dia a dia
A frase "A Petrobras terá de explicar a venda de refinarias ao Congresso":
A) Não é clara.
B) É clara, mas pode melhorar.
C) É claríssima.
"Para quem tem filhos e não sabe temos uma creche" não é clara por:
A) Inversão de "tem filhos" e "não sabe".
B) Falta de precisão.
C) Omissão de vírgulas.
Que informação é mais clara?
A) "A polícia rastreou a máfia".
B) "A máfia foi rastreada pela polícia".
C) "A máfia foi rastreada".
Ao reler seu texto, percebe uma palavra que pode soar obscura a leigos.
Você:
A) Busca outra, mesmo com esforço.
B) Só troca a palavra se lembrar outra na hora. Do contrário, deixa como está.
C) Acha que o leitor tem a obrigação de buscar o significado.
Se usam palavra que desconhece, você:
A) Pede explicações ou, numa leitura, vai ao dicionário.
B) Tenta extrair o sentido pelo contexto.
C) Ignora a palavra e continua a conversa ou a leitura mesmo assim.
Suas frases escritas seguem a ordem direta (sujeito, predicado, complemento)?
A) Sempre que necessário.
B) Nem sempre.
C) Muito pouco.
Seu texto se desviou do assunto.
Você:
A) Para e refaz tudo a partir do desvio.
B) Busca aproveitar o raciocínio que provocou o desvio, mas em outro trecho.
C) Segue como se nada tivesse ocorrido.
Ante um enunciado truncado numa prova de concurso ou vestibular, você:
A) Faz várias leituras até decifrá-lo.
B) Lê até o fim e, se ainda assim não entender, parte para outra questão.
C) Abandona o texto antes do fim.
Você tem o hábito de escrever uma ideia por período?
A) Sempre que possível.
B) Às vezes.
C) Quase nunca.
Não entendeu um certo conceito numa determinada pergunta.
Você:
A) Pede explicação antes de responder.
B) Muda o rumo da resposta, chamando atenção para outro aspecto da pergunta.
C) Fala como se conhecesse os conceitos.
PONTUAÇÃO:
Valor das respostas:
A = 3 pontos; B = 2 pontos; C = 1 ponto.
- De 21 a 30 pontos: Você se faz entender e se esforça por entender.
- De 11 a 20 pontos: Tenta comunicar-se, talvez precipitadamente. Pode melhorar se der espaço aos outros e for mais claro.
- 10 pontos: Há problemas de comunicação. É preciso mais empenho.
Tradução ministerial
Quando ministro da Cultura, Gilberto Gil fez discurso num evento, reproduzido por O Estado de S. Paulo (31/3/2003, D8) com intuito de expô-lo:
"A explosão demográfica é considerada um dos grandes problemas globais do último século, causando enormes embaraços ao processo de desenvolvimento da sociedade moderna e pós-moderna, e, já fazendo antever um planeta inviabilizado em seu futuro médio e longo, caso a tendência de aceleração do crescimento populacional não seja revertida, especialmente em áreas dos terceiro e quarto mundos, onde o amontoamento de populações, cada vez maiores e cada vez mais pobres, já permite antever um tempo de verdadeiros lixões humanos da dimensão assustadora de grandes metrópoles, polis onde o metro, a medida, a dimensão definidora seria a degradação final".
O leitor está convidado a reescrever o período, permitindo pausas necessárias a cada síntese mental do leitor. Sugestões para: redacao@revistalingua.com.br.
A fórmula matemática da clareza
Língua não é ciência exata, mas sempre há quem queira quantificá-la. Segundo estudo de Stefan Martins e Lucia Filgueiras, da Escola Politécnica da USP, desde 1920 há fórmulas matemáticas para avaliar a clareza de um texto. Nos anos 80, havia ao menos 200 delas e mais de mil estudos atestando sua validade.
Entre outras coisas, o trabalho (www.clihc.org/2007/papers/metodosavilacao_ID25_longpaper.pdf) mostra a aplicação ao português de fórmulas de medição da "apreensibilidade de informações textuais" (readability, se um texto é fácil de ler e compreensível). Chama a atenção, em particular, para dois estudos de Rudolf Flesch. Um, Flesch Reading Ease Readability Score, foi feito em 1948 e determina o grau de dificuldade de leitura de um texto.
A ideia subjacente à fórmula é que um maior número de palavras por frase, ou um maior número de sílabas por palavras diminui a legibilidade de um texto. Um escrito com índice superior a 70 seria fácil de ler, e textos com a pontuação abaixo de 30, muito difíceis. É evidente que, em língua portuguesa, a relação quantidade de palavras por sentença, por exemplo, não basta para definir a legibilidade. Outro inconveniente desse tipo de estatística é a falta de margem intuitiva de sua escala: não está clara a diferença entre a pontuação 45 e a 50, por exemplo.
Obscuridade premiada
A clareza virou pretexto para premiações na Inglaterra. A Plain English Campaign (campanha pelo inglês claro) é uma ONG criada em 1979, que estimula empresas e governos a se comunicarem de forma simples e recebe queixas de quem se diz vítima da linguagem burocrática ou ambígua.
Todo ano, o grupo de pressão agracia textos bem escritos e ridiculariza os truncados. Em 9 de dezembro, anunciou que George W. Bush venceu, "pelo conjunto da obra", o Foot in Mouth (pé na boca), entregue desde 1993 a quem mete os pés pelas mãos ao comunicar-se. Não foi a primeira honraria dada à gestão Bush. Em 2003, seu secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, venceu por uma declaração repleta de circunlóquios:
"Relatórios confirmando que uma coisa não aconteceu sempre me interessam porque, como se sabe, existem coisas sabidas que se sabe, há coisas que sabemos que sabemos. Também se sabe que existem coisas desconhecidas de que sabemos, quer dizer que sabemos que existem algumas coisas que não sabemos. Mas também existem coisas desconhecidas que não conhecemos, aquelas que não sabemos que não sabemos".
- Palavras não têm rugas
- Trocadalho do carilho
- Quê da questão
- A explicitação do implícito
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