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OS REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04 SOBRE O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

Posted by Paulinha on 11:40 in
OS REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL
45/04 SOBRE O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

Roberto Pessoa
Desembargador Federal do Trabalho do TRT/BA - 5ª Região
Cumpre-me registrar que, exatamente no dia 06 de outubro, a nossa Constituição completou vinte anos de promulgada, e de lá pra cá, muitas emendas vêm sendo promovidas. Será que estas modificações significam uma fragilidade ou inconsistência jurídica da nossa Carta Constitucional? Ocorreu açodamento na sua promulgação? A essas indagações obtive respostas satisfatórias em artigo editado na Folha de São Paulo de sete de outubro deste ano, de autoria de Marcos Nobre, de onde extraí algumas observações que me pareceram, de todo, procedente.
Diz o articulista: “Pode-se concordar ou não com as alterações realizadas. Mas o fato é que a partir daquele momento, a Constituição deixou de ser um texto abstrato e distante da realidade e passou ao centro do debate público.”
Foi sob esse debate público que o movimento associativo dos magistrados, liderados pela combativa ANAMATRA, ampliou a competência da Justiça do Trabalho, e conquistou a aprovação da emenda 45/2004.
E continua o articulista na matéria já citada: “Foi longo o aprendizado de que o direito não é, nem a solução de todos os problemas, nem um palavreado inútil. Ele se torna efetivo pelo sentido que lhe dão as lutas sociais e políticas pela sua interpretação.”
E nesta mesma linha arremata Marcos Nobre o seu pensamento asseverando que: “É por isso que a atividade jurisprudencial e o funcionamento concreto dos Tribunais se mostram agora tão ou mais decisivos que o processo legislativo.”
Podemos citar inúmeros exemplos da efetiva atuação dos Tribunais neste campo normativo, como aconteceu recentemente com a vedação, em todos os poderes, do nepotismo, pelo Supremo Tribunal Federal como, igualmente, quando a Corte definiu, explicitando a competência da Justiça do Trabalho, em matéria até bem pouco tempo controvertida, que muitas vezes carecia de processo legislativo para conhecermos e sabermos qual a justiça materialmente competente, como ocorreu com as ações sobre dano moral e material decorrente do acidente do trabalho, e na área do Direito Coletivo do Trabalho, as ações possessórias decorrentes do exercício do direito de greve.
Assim, anotei dentre deste tema, os reflexos da Emenda 45/04 sobre o direito coletivo do trabalho, três itens que me pareceram mais relevantes e controvertidos.
Inicialmente a alteração ocorrida no texto do parágrafo segundo, artigo 114, com a inserção da expressão “de comum acordo”, onde reside toda a polêmica.
Antes da emenda, o ajuizamento da ação coletiva de natureza econômica, ou seja, aquele que visava estabelecer novas condições de trabalho estava sujeito apenas à certificação de que as tratativas negociais foram frustradas. Isso era obtido mediante certificação da Delegacia Regional do Trabalho - DRT - só.
Após a emenda, inseriu-se no texto, de forma adicional, um novo requisito ou pressuposto. E assim está redigido:
“§ 2º - art. 114 - Recusando-se qualquer das partes à negociação ou á arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar o dissídio de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”
Nesse requisito, especificamente, facultado às mesma, de comum acordo, ajuizar o dissídio é que reside o questionamento.
O primeiro é se essa exigência, ou requisito, ou pressuposto procedimental, padece ou não do vício de inconstitucionalidade?
Se padece, todos os problemas que gravitam em torno dele estão resolvidos, como assegura Estevão Mallet em palestra proferida sobre o tema, no XIII Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho, realizado em Recife, no ano de 2006 (vide anais do XIII Ciclo editado pelo ICB em 2007).
Há constitucionalistas e doutrinadores que sustentam, com sólida argumentação, a exemplo do festejado professor de Direito Constitucional da UFBA, Manoel Jorge Neto, de que o vício de inconstitu-cionalidade está presente no texto, sob o argumento de que há incompatibilidade dessa exigência com a regra do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, de garantia de acesso aos Tribunais.
Sob este fundamento foram ajuizadas várias ações de Declaração de Inconstitucionalidade - ADINs - propostas por entidades sindicais de trabalhadores, inclusive em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
Contudo, conforme observa o ilustre Procurador do Trabalho Raimundo Simão de Melo, na sua obra A Greve no Direito Brasileiro - Ed. LTR, 2006 - PG 142, o eminente Procurador da República já emitiu, em uma das ADINs, parecer negando a inconstitucionalidade alegada.
Peço vênia ao Professor Manoel Jorge Neto para dele dissentir e acompanhar o entendimento de Raimundo Simão de Melo e Edson Brás da Silva, em “Aspectos Processuais e Materiais do Dissídio Coletivo”, frente à Emenda Constitucional 45/2004, e Estevão Mallet, na palestra proferida no XIII Ciclo de Estudo já referida. Valho-me das anotações extraídas da palestra do talentoso Mallet para fundamentar a minha posição.
Entendo que essa inconstitucionalidade não existe ou que essa incompatibilidade não ocorre. E justifica Estevão Mallet: “E não ocorre porque a Constituição garante o acesso ao Judiciário quando há lesão ou ameaça a direito. No Dissídio Coletivo Econômico, aquele que agora depende do mútuo consentimento, não existe tal direito, pelo contrário, o que se busca é a criação de um direito ainda inexis-tente.”
E mais adiante assevera o Professor Estevão Mallet: “No Poder Normativo prepondera à atividade de criação do direito, enquanto na atividade Jurisdicional típica prepondera a atividade de aplicaçãp do Di-reito...como não há direito pré-existente, condicionar essa forma preponderantemente de criação de direito ao mútuo consentimento das partes não envolve ofensa à regra do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal”.
Anotei, com Raimundo Simão de Melo, que a Legislação Processual e Constitucional Brasileira é vasta em estabelecer pressupostos e condições de ação que restringem o acesso aos Tribunais. No Direito Processual do Trabalho, por exemplo, antes da inserção do comum acordo, estabelecido no § 2º do art. 114, já se exigia a comprovação do exaurimento da fase negocial como requisito para a propositura da Ação Coletiva. Vários Dissídios foram extintos pelo TST quando inobservado este requisito.
O próprio diploma consolidado já dispunha de igual exigência e neste mesmo sentido há muitos anos, como se observa da regra inserta no § 4º do art. 616, inadimitindo o ajuizamento do dissídio de natureza econômica antes esgotada a negociação coletiva. O parágrafo terceiro fixa o prazo para o ajuizamento da Ação Coletiva e impede a instauração de um novo, antes de esgotado a sua vigência.
E, na mesma direção, sinaliza a regra do art. 873, fixando o prazo de um ano para o ajuizamento do dissídio revisional.
Por sua vez, a Constituição inadmite o ajuizamento de qualquer ação perante o Judiciário, na área desportiva, antes do esgotamento das instâncias desportivas privadas, nos termos do art. 217.
O depósito prévio para o ajuizamento da Ação Rescisória constitui em outro pressuposto processual. No Direito Civil há exigência do comum acordo, ou seja, outorga uxoria ou marital para o ajuizamento de ações que versem sobre direitos reais e imobiliários. E ninguém disse que esses dispositivos são inconstitucionais.
Os Tribunais Trabalhistas, inclusive o TRT da 5ª Região do qual faço parte, tem adotado este mesmo entendimento na linha do TST, embora a Ação de Inconstitucionalidade esteja em curso no Supremo, o parecer do Procurador da República, como já citado, é pela constitucionalidade, sinalizando que esta será, talvez, a decisão.
Superada a questão da inconstitucionalidade, anotamos daqui por diante, os problemas procedimentais que a emenda nos trouxe, com a aplicação da exigência do comum acordo.
Inicialmente cumpre-nos examinar a legitimação para o ajuizamento dos Dissídios Coletivos após a Emenda 45/04, se houve ou não modificação.
Da alteração redacional no texto do parágrafo segundo do art. 114, observa-se que substituiu-se o sindicato pelas partes, a se presumir que não se torna mais obrigatória a participação dos Sindicatos. A doutrina esclarece, entre eles Estevão Mallet, que a modificação não foi nessa extensão, e justifica “porque o inciso VI do art. 8º manteve-se inalterado, impondo a participação do sindicato no processo negocial. Se assim o é na fase negocial, deverá sê-lo na Processual. A jurisprudência de igual modo vem entendendo que essa participação obrigatória destina-se ao sindicato dos trabalhadores, não se estendendo a classe patronal, e quando o novo texto refere-se às partes, está se voltando para o sindicato como parte do processo negocial e coletivo.
Então os Tribunais, sob essa ótica, têm admitido a legitimidade para ajuizar a ação, tanto dos Sindicatos, como parte, e também as empresas individualmente, ou estas assistidas pelo Sindicato.
A legitimação do Ministério Público para alguns se restringiu aos Dissídios de Greve, ainda assim nas atividades essenciais. Para outros, a exemplo de Raimundo Simão de Melo, esta limitação não existe, podendo ser ampliada toda vez que o interesse econômico agredir o interesse público, em qualquer atividade.
É incontroversa a revogação de parte do art. 856 que retirou a legitimação do Presidente do Tribunal para assim proceder. Após a edição da Emenda 45/04, restringiu a legitimação ao Ministério Público, e observadas as condições antes citadas.
O comum acordo é pressuposto ou condição de ação? Para Raimundo Simão de Melo, invocando a lição de Humberto Teodoro Junior, “é um pressuposto, pois são dados para a análise de viabilidade do exercício do direito de ação, sob o ponto de vista estritamente processual, enquanto as condições de ação importam o cotejo do direito de ação, concretamente exercido com a viabilidade abstrata da pretensão do direito material.”
Assim, tem-se que o requisito do comum acordo é um pressuposto processual, e como tal deve ser apurado e observado pelo magistrado de plano.
Mas, em que fase o Presidente do Tribunal deverá proceder esse exame procedimental?
Comum acordo, segundo o Ministro Luciano Castilho, “não significa petição em conjunto”. Na realidade, seria inconcebível esta exigência no mundo dos conflitos, ainda mais no coletivo.
Assim, tem-se entendido que essa anuência pode fazer-se presente até mesmo tacitamente, diante do silêncio da suscitada, após o oferecimento das suas razões ou até mesmo durante a audiência de tentativa de conciliação perante o Presidente do Tribunal.
Neste sentido, posicionou-se o Tribunal da 5ª Região. Quando presidi Sessão de Dissídio Coletivo admitíamos o ajuizamento da ação coletiva, sem indeferir a inicial que não consignava a anuência do suscitado. Determinava-se a notificação do suscitado e, de logo, designava-se a audiência de conciliação. Se não fosse lançada oposição à suscitação da ação coletiva, prosseguia-se com o feito e, uma vez frustrada a conciliação, designava-se relator e revisor. Assinalando, de logo, data para o julgamento da ação coletiva.
Observei que este tem sido igualmente o posicionamento adotado pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho, conforme destaca Raimundo Simão de Melo, na obra já citada. A Greve no Direito Brasileiro - Ed. LTR- 2006.
Porém, uma vez manifestada a recusa, em que momento ela deve se materializar?
Todos os doutrinadores, a exemplo de Estevão Mallet, dizem que deve ser no oferecimento das razões. Já Edson Brás da Silva entende que essa manifestação deve ser ofertada na audiência de conciliação, sob pena de ser rejeitada por preclusão.
Nesta linha decidiu a Seção de Dissídio Coletivo - SDC - do TST, rejeitando a preliminar quando a recusa não foi manifestada na primeira oportunidade, ou seja, na audiência de conciliação.
Estevão Mallet menciona uma outra hipótese bastante interessante que ocorre neste tema do comum acordo. Ela se efetiva na formação do litisconsórcio na ação coletiva, quando o dissídio é suscitado contra mais de uma empresa ou entidade sindical.
Esta hipótese se dá, com freqüência, nas ações coletivas ajuizadas pelos sindicatos representativos dos trabalhadores integrantes da categoria profissional diferenciada, a que alude o § 3º, do art. 511 da CLT, a exemplo dos vendedores viajantes e pracistas.
Há situações em que alguns suscitados não se opõem e enquanto outros manifestam a recusa, indaga-se: Nesse caso o dissídio poderia prosseguir com relação àqueles que não se recusaram e extinto em referência aos demais? No entendimento do Professor Mallet, sim.
Este entendimento foi aplicado pelo Tribunal Regional da 5ª Região em julgamento envolvendo essa matéria.
Em outra questão recente, envolvendo o mesmo tema, o eminente Ministro Walmir da Costa, integrante da SDC do TST, levantou uma tese inovadora sobre as condições da recusa do suscitado, entendendo que esta manifestação deve ser motivada. A posição do Ministro e a do seu eminente colega Maurício Godinho Delgado, é a de que a recusa deve ser acompanhada de uma razoável justificativa, para ser aceita como matéria procedimental e provocar a extinção da ação coletiva. Pois assim impõe o devido processo legal, e o princípio da lealdade e da boa fé que rege a conduta processual das partes no litígio, sem excepcionar o conflito coletivo.
Embora vencido na SDC, o Ministro Walmir comentou que este posicionamento tem levado a corte a uma reflexão e, na justificativa do seu voto, que segue abaixo transcrito, disse que:
“nesse contexto, penso que o exercício do direito de ação coletiva das entidades sindicais, previsto no art. 114 §2º da Constituição Federal, não pode ser condicionado a manifestação unilateral de uma das partes, pela exigência de sua prévia e expressa anuência para a instauração da instância, sem que para tanto apresente fundadas razões de fato e de direito capazes de justificar sua recusa de submeter o conflito coletivo a jurisdição estatal.”
E no mesmo voto, observou o eminente Ministro, ainda que se fosse acolhida à tese patronal, acarretaria na deflagração da greve, e outra questão procedimental adviria desse conflito a impor uma nova solução judicial.
Eis o seu entendimento constante do mencionado voto:
“Com efeito, nas hipóteses, por exemplo, da recusa so Sindicato dos Trabalhadores à negociação coletiva, da existência de Norma Coletiva vigente ou de desrespeito à data-base da categoria, seria plausível considerar a oposição de uma das partes ao ajuizamento do dissídio, todavia a mera recusa do sindicato patronal, sem justo motivo, o exercício do direito fundamental individual e coletivo do sindicato profissional de solicitar a tutela jurisdicional com vistas à solução do dissídio coletivo, se acolhida como legítima por esta corte superior para fins de extinção da ação, sem resolução do mérito, não apenas implicará na danosa deflagração da greve pela categoria, mas configurará a renúncia do Tribunal Superior do Trabalho de parte de sua competência normativa, chancelando de forma grave a conduta omissiva de quem se esquivou da composição pacífica.” (JUSTIFICATIVA DO VOTO - lançada no julgamento do processo TST-RODC-16007/2006-909-09-00.9).
E no Dissídio de greve? Ao meu sentir é incontroverso que esta exigência, ou requisito, não se faz presente no dissídio de greve ou de natureza jurídica, ou seja, de interpretação. Limita-se ao dissídio de natureza econômica, exclusivamente porque, nos casos de greve, há lei regulamentando o seu exercício, e pode ocorrer lesão ou ameaça do direito. Nessa hipótese, não se exige o requisito do comum acordo.
Questão interessante existe quando o Tribunal julga ou decide o dissídio de greve, e ingressa, sem anuência das partes, nas cláusulas econômicas, dirimindo o conflito. Como tem ocorrido reiteradamente. Isso certifica que remanesce o Poder Normativo em tais casos.
Da decisão, em qualquer hipótese, caberá recurso para o TST na observação de Estevão Mallet e do Ministro Wantuil Abdala em palestra proferida no XIII Círculo de Estudo de Direito do Trabalho, realizado em Recife.
2 - Ações que envolvam o exercício do direito de greve
Esta foi, ao meu sentir, a alteração mais substancial da Emenda 45, conforme anota Raimundo Simão de Melo na obra já citada. Nesse campo temos a ampliação da competência da Justiça do Trabalho decorrente da Emenda - para julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve - vide inciso II, do art. 114, ou seja, os conflitos decorrentes da greve, a exemplo dos atos anti-sindicais - contrário ao exercício do direito de greve (demissão de trabalhadores, de dirigentes sindicais, de agressão física aos trabalhadores, etc...); e os abusos cometidos relativos às infrações a lei como a falta de atendimento das atividades inadiáveis a população ou da comunidade, a manutenção da posse - ou as ações de reintegração nas hipóteses de esbulho ou ocupação do estabelecimento e as ações de reparação por danos causados em razão do exercício abusivo do direito de greve, ainda que a matéria esteja disciplinada no campo do Direito Civil.
Em razão dessa alteração ampliou-se a competência da Justiça do Trabalho, que não limita-se mais ao julgamento do Dissídio Coletivo de natureza jurídica, para declarar ou não abusividade do movimento paredista, instituiu-se, inclusive, uma nova competência funcional para apreciar essas ações, sendo, indubitavelmente, da primeira instância.
A respeito da declaração de abusividade, há muito tenho me posicionado contrário a essa declaração. A greve em si não é abusiva e muito menos ilegal. Como ser ilegal um direito assegurado na Constituição - vide art. 9º - que assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que por meio dele defender.
Nunca entendi que um direito quando exercido possa ser considerado ilegal, ainda mais assegurado no texto constitucional.
Não estou a defender a existência de um direito absoluto. Há limites para o seu exercício, traçado pelo próprio ordenamento jurídico, mas as infrações cometidas pelos titulares do direito não tornam a greve abusiva e, pior ainda, ilegal.
Os abusos estão assinalados na Lei de Greve, em consonância com o § 3º do art. 9º, da Constituição Federal, e sujeita os responsáveis às penas da Lei. Quem são os responsáveis? Os titulares do direito - o sindicato ou quem praticou o ato abusivo, ou ilícito. Mas nunca uma declaração de abusividade prolatada de forma generalizada. Abusividade genérica. Puna-se os infratores, como assinala o professor Roberto Santos, titular da cadeira de direito do trabalho, na faculdade de Belém-PA, em artigo publicado na revista editada pela Academia Nacional de Direito do Trabalho sobre a greve, quando ele leciona que a greve em si não é abusiva, mas sim, os abusos cometidos pelos sujeitos que inobservam os seus limites, esses são os que devem ser punidos.
Abstraindo essa discussão, passamos as ações envolvendo o exercício do direito de greve que vão desde a Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público visando assegurar a prestação das atividades inadiáveis à população, como também para coibir os atos anti-sindicais praticados pelo empregador.
E a mais freqüente tem sido as ações possessórias - a do interdito, visando manutenção da posse e a reintegração quando ocorre a ocupação do estabelecimento.
O interdito objetiva proteger, preventivamente, e assegurar a posse, ou impedir o esbulho e garantir o acesso do possuidor ao estabelecimento.
Discutiu-se amplamente sobre a competência material para se conhecer dessas ações. Seria da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum?
O Supremo Tribunal Federal em recente decisão, em que ficou como redatora a Ministra Carmen Lúcia, decidiu pela competência da Justiça do Trabalho no dissídio envolvendo o sindicato dos bancários de Belo Horizonte e o HSBC Bank Brasil S/A. no RE 579648.
Uma controvérsia séria ainda reside nesta matéria, mesmo após a decisão do Supremo, e ocorre quando ação de interdito é ajuizada por quem não é parte no conflito coletivo, como se dá, por exemplo, com um proprietário de um estabelecimento comercial instalado em um Shopping Center, que se vê impedido de ingressar na sua loja, em face de um piquete instalado pelo Sindicato dos Bancários, diante da deflagração da greve da respectiva categoria. De quem seria a competência nestes casos?
A hipótese impõe uma reflexão mais profunda. Na esteira do entendimento do Supremo, não importa se a natureza da matéria em discussão está disciplinada pelo Direito Civil ou Trabalhista, mas a causa principal ou remota que embasa o pedido, e está tem por motivação a greve, e o conflito dela decorrente, o que atrai, ao meu sentir, a competência da Justiça do Trabalho.
A terceira anotação que procedi diz respeito à redação alterada do parágrafo segundo, do art. 114, na sua parte final, quando dispõe sobre o poder conferido à Justiça do Trabalho para decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Para Raimundo Simão de Melo - ilustre Procurador do Trabalho, na obra já citada, pág. 152 “restou ressuscitada a ultra-atividade das normas coletivas em vigor, ainda que de forma indireta, pelo novo comando constitucional do § 2º do art. 114, porquanto, como assegura, essas normas somente deixarão de vigorar se uma das partes tomar a iniciativa de propor novas condições de trabalho e forçar a outra a vir para a mesa de negociação, porque foi o propósito do legislador constituinte, com a limitação do poder normativo, dar condições para que se criasse novo campo de relações do trabalho, com o revigoramento e o consequente fortalecimento dos sindicatos.”
Anotei também o voto do Ministro Walmir Costa em julgamento recente, onde a SDC tem adotado uma posição visando atender, em parte, a essa modificação ao admitir a natureza de cláusula convencional, mesmo quando proveniente de acordo homologado por sentença em dissídios coletivos, quando se sabe que a homologação, nestes casos, reveste-se de caráter jurisdicional, consoante previsto no enunciado da súmula 190 do colendo TST.
Proclamou o eminente Ministro Walmir Costa que a motivação dessa decisão é preservar os direitos adquiridos em norma anterior, e somente no novo Dissídio poder-se-ia alterar o pactuado, em observância ao novo texto constitucional.
O tema da ultra-atividade encerra séria e longa controvérsia, na doutrina, onde posições ortodoxas sustentam a inexistência da ultra-atividade, enquanto doutrinadores da estirpe de Rodrigues Pinto, Susse-kind, Délio Maranhão, o Mestre Luis de Pinho Pedreira e Estevão Mallet - este invocando inclusive o direito comparado, onde o princípio ultra-ativo é amplamente praticado e aplicado, como se dá nas relações trabalhistas coletivas na Espanha, Portugal e França, por exemplo.
Depois, na jurisprudência, observamos a posição conservadora do TST, estendendo a aplicação do enunciado 277 a todos os instrumentos normativos, mesmo quando este são editados pela fonte de produção autônoma (acordo e convenção) quando o enunciado disciplina apenas a sentença normativa.
Em sentido contrario o TRT da 5ª Região editou a súmula nº 2, proclamando o efeito ultra-ativo das cláusulas normativas constantes dos acordos e convenções coletivas.
E no campo do direito positivo, a legislação infraconstitucional disciplinou a matéria através da lei 8.542/92 fixando no art. 1º, § 1º, expressamente a incorporação das vantagens instituídas nos acordos e convenções, só admitindo a sua modificação pela mesma via negocial que as instituíram. Tal dispositivo foi represtinado pela lei 8.88094, que editou o plano de estabilização econômica denominado de plano real, como se observa no artigo 26 do pré-citado diploma legal.
O sobredito dispositivo da lei 8.880/94 sobreviveu até que trigésima sétima medida provisória, editada em complementação ao plano de estabilização - plano real - fosse convertida na lei 10.192 de 14 de fevereiro de 2001.
Neste interregno surge a Emenda Constitucional em estudo que, ao meu sentir, ressuscitou, como afirmou Raimundo de Melo Simão, o princípio ultra-ativo, ao dispor sobre o respeito às condições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente, quando a Justiça do Trabalho decidir o conflito coletivo, deixando, assim, explícito, ao meu sentir e a mais não poder, o efeito ultra-ativo das normas fruto da autocomposição.
Como anunciei, foram meras anotações, fruto de consultas, estudos e pesquisas realizadas, que trouxe para reflexão, deixando aqui as indagações que formulei, mais do que respostas. Creio, na esteira do professor Mallet que, muitas vezes, é melhor formular algumas perguntas reflexivas, e lançar boas dúvidas, do que tentar oferecer soluções para tudo.
Foi isso que me propus.
Roberto Pessoa é Desembargador Federal do Trabalho no TRT 5ª Região.
“Trabalho em Revista”, encarte de DOUTRINA “O TRABALHO” – Fascículo n.º 147, Maio/2009, p. 5021.

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