0

ASSÉDIO MORAL COLETIVO NO DIREITO DO TRABALHO

Posted by Paulinha on 10:23 in
ASSÉDIO MORAL COLETIVO NO DIREITO DO TRABALHO

Sônia Mascaro Nascimento
Advogada, professora de Direito do Trabalho e consultora em São Paulo
1. Assédio Moral
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico à pessoa. Dentre suas espécies, verificamos existir pelo menos dois tipos de assédio que se distinguem pela natureza: o assédio sexual e o assédio moral.
O assédio sexual se caracteriza pela conduta de natureza sexual, a qual deve ser repetitiva, sempre repelida pela vítima e que tenha por fim constranger a pessoa em sua intimidade e privacidade.
Já o assédio moral (mobbing, bullying, harcèlement moral ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo psicológico) caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
O assédio moral é uma das formas de dano aos direitos personalíssimos do indivíduo. Dessa maneira, um ato violador de qualquer desses direitos poderá configurar, dependendo das circunstâncias, o assédio moral, o assédio sexual ou a lesão ao direito de personalidade propriamente dita, através de lesão à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem. A diferença entre eles é o modo como se verifica a lesão, bem como a gravidade do dano.
Levando isso em conta, a não configuração do assédio moral pela ausência do dano psíquico não exime o agressor da devida punição, pois a conduta será considerada como lesão à personalidade do indivíduo, ensejando o dever de indenizar o dano moral daí advindo.
Reiteramos, portanto, nosso entendimento no sentido de que nem todo dano à personalidade configura o assédio moral, como se percebe na maioria dos estudos jurídicos atuais e, principalmente, nas decisões da Justiça do Trabalho.
2. Assédio Moral Coletivo
Como visto, o denominado dano moral é contemplado na Constituição Federal/88, em seu artigo 5º, incisos V e X, com vistas à reparação decorrente de ofensas à imagem, intimidade, vida privada e à honra das pessoas. Tais direitos elencados pela Carta Magna encontram-se abrangidos pelos chamados ‘direitos de personalidade’, previstos nos artigos 11 a 21 do Código Civil – aplicado supletivamente à seara do direito do trabalho, por força da previsão do artigo 8º, parágrafo único da CLT – enfim, contempla-se a reparação por dano ao indivíduo, à pessoa.
Conclui-se, assim, do confronto do texto civilista com o texto constitucional que o dano moral caracteriza-se pela ofensa a direitos da personalidade, que, nada mais são do que aqueles direitos que uma pessoa tem sobre ela mesma, sobre seu corpo, sua imagem, sua vida privada etc. De acordo com Rubens Limongi França, “direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos” (Manual de direito civil, 3. ed. São Paulo, Ed. RT, 1975, v. 1, p. 403).
Os direitos da personalidade, portanto, e, segundo entendimento da mais balizada doutrina, são considerados direitos subjetivos.
Cite-se, neste sentido, as lições do eminente jurista Rui Stoco em seu Tratado de Responsabilidade Civil, “...filiamo-nos à corrente doutrinária que sustenta a tese de que os direitos da personalidade são direitos naturais, que antecedem à criação de um ordenamento jurídico, posto que nascem com a pessoa, de modo que precedem e transcendem o ordenamento positivo, considerando que existem só pelo fato da condição humana. Essa é a razão pela qual a doutrina moderna é quase unânime em afirmar os direitos da personalidade como natureza jurídica de direitos subjetivos”.
Diante da natureza da natureza personalíssima que caracteriza o dano moral, a questão que se coloca reside em saber se é possível à existência do dano moral coletivo e sob quais espécies.
A questão do assédio moral coletivo somente começou a ser discutida no meio jurídico após a introdução no ordenamento jurídico pátrio dos conceitos de interesse difuso, coletivo e individual homogêneo.
A Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) foram as responsáveis por isso. Através delas permite-se a defesa de causas que envolvam elevado número de pessoas, sem, todavia, afetarem a sociedade como um todo.
Os interesses difusos são definidos legalmente como aqueles transindividuais, de natureza indivisível, e que possuem como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I da Lei nº 8.078/90). Esses interesses supõem a existência de uma lesão a um bem usufruído por várias pessoas, mas não há como identificar previamente os lesados. Assim, as lesões ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, artístico, estético, turístico ou paisagístico, bem como aos direitos do consumidor, são exemplos típicos de lesões a interesses difusos.
Enquanto isso, os interesses coletivos são conceituados legalmente como interesses transindividuais de natureza indivisível cujo titular constitui um grupo, ou uma categoria ou uma classe de pessoas ligadas entre si (art. 81, parágrafo único, II da Lei nº 8.078/90). Conforme o jurista Ives Gandra da Silva Martins Filho, os interesses coletivos são aqueles - comuns a uma determinada coletividade, impondo soluções homogêneas para a composição de conflitos - e a distinção com os interesses difusos decorre do fato de que nesses - o universo de pessoas afetadas pelo ato lesivo não é passível de determinação-, enquanto nos interesses coletivos - há uma coletividade concreta e determinável ligada aos bens jurídicos em disputa.(1)
Já os interesses individuais homogêneos são definidos pela lei como aqueles decorrentes de uma origem comum (art. 81, parágrafo único, III da Lei nº 8.078/90). Este conceito é diferente dos demais porque não prevê a indivisibilidade do bem lesado, logo, nesse caso, a lesão deve ser efetiva e não apenas potencial. Como exemplo pode-se citar a situação em que empregados tenham realizado horas extras, mas não são remunerados por isso e a empresa não admite a realização de sobrejornada.
Com fundamento nas noções de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos começou-se a discutir tanto na doutrina como na jurisprudência a possibilidade de existência do dano moral coletivo. Salienta-se, no entanto, que sua figura não tem previsão específica no ordenamento jurídico brasileiro.
Todavia, alguns julgados expressam que o dano moral coletivo é reconhecido pelo nosso sistema legal através do VI do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor(2) e no artigo 83, inciso III da Lei Complementar nº 75/93.(3)
Essa espécie de dano moral configura-se como aquela que pela sua dimensão e gravidade exige a intervenção do Estado para impedir uma lesão capaz de comprometer todo o tecido da sociedade.
O jurista João Carlos Teixeira conceitua o dano moral coletivo como “a injusta lesão a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade (maior ou menor), e assim tutelados juridicamente, cuja ofensa atinge a esfera moral de determinado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, causando-lhes sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou outro sofrimento psico-físico”.(4)
Para que haja a configuração do dano moral coletivo e para que a tutela coletiva possa ser efetivada pelo Judiciário é necessária à prevalência dos interesses comuns sobre os individuais como defende Ada Pelegrini Grinover: “Sendo os direitos heterogêneos, haverá impossibilidade jurídica do pedido de tutela coletiva. Chega-se, por esse caminho, à conclusão de que a prevalência das questões comuns sobre as individuais, que é condição de admissibilidade no sistema das class actions for damages norte-americanas, também o é no ordenamento brasileiro, que só possibilita a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos. Prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos individuais serão heterogêneos e o pedido de tutela coletiva se tornará juridicamente impossível”(.5)
No âmbito do Direito do Trabalho, a autorização para que haja responsabilização por danos morais a interesses difusos ou coletivos encontra-se disposta no artigo 1º, inciso V da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).
De acordo com Pinho Pedreira em citação de Carlos Alberto Bittar Filho, “...pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos...;”(6)
De acordo com tal conceito percebe-se que somente quando há a lesão a direitos metaindividuais que pertençam à coletividade como um todo, torna-se possível falar-se em dano moral coletivo.
Dentre as hipóteses que admitem o dano moral coletivo em se tratando de matéria trabalhista, cite-se, por exemplo, os casos em que há violação ao meio ambiente do trabalho, isto é, saúde e segurança ocupacional. Nesse sentido, poder-se-ia compreender o assédio moral coletivo dentre as violações ao meio ambiente do trabalho, na medida em que há a violação e degradação das condições de trabalho.
Percebe-se que a prática de assédio moral de forma coletiva tem ocorrido em várias ocasiões, principalmente nos casos envolvendo política “motivacional” de vendas ou de produção, nas quais os empregados que não atingem as metas determinadas são submetidos as mais diversas situações de psicoterror, cuja submissão a “castigos e prendas”, envolvem práticas de fazer flexões, vestir saia de baiana, passar batom, usar capacete com chifres de boi, usar perucas coloridas, vestir camisetas com escritos depreciativos, dançar músicas de cunho erótico, dentre outras.
Nessa linha, alguns autores ao tratarem dos temas assédio moral institucional(7) e assédio moral organizacional8 abordaram aspectos próximos ao assédio moral coletivo. Entretanto, no presente artigo será demonstrado elementos caracterizadores do assédio moral coletivo.
Sendo o assédio moral uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, sua forma coletiva estar-se-á configurada quando uma certa coletividade de pessoas forem vítimas dessa conduta assediadora.
Assim, o assédio moral coletivo constitui uma das principais causas de prejuízo ao meio ambiente do trabalho, e, consequentemente, à saúde dos trabalhadores. Deve-se mencionar que o meio ambiente do trabalho é tutelado constitucionalmente pelos artigos 200, inciso VIII e 225, §1º, inciso V.9
Dessa maneira, o assédio moral coletivo é concretizado quando há violação de interesses coletivos que pertençam a um grupo, ou a uma categoria ou ainda a uma classe formada por determinados indivíduos que são passíveis de identificação. Essa modalidade de assédio também pode surgir quando interesses individuais homogêneos são violados.
Os pedidos de indenização em decorrência de assédio moral são feitos, na maioria das vezes, de forma individual pelos trabalhadores. A jurisprudência trabalhista não possui muitos julgados relacionados ao tema, sendo mais comum à atuação do Ministério Público do Trabalho pleiteando indenização para a ocorrência de dano moral coletivo que é instituto distinto do assédio moral coletivo.
Todavia, a título ilustrativo, cumpre arrolar condenação imposta à companhia de bebidas, no importe de um milhão de reais revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), em razão da prática de assédio moral coletivo contra seus trabalhadores: “a recorrente tem como corriqueira a adoção das”brincadeiras” em questão, inclusive em âmbito nacional, conforme prova dos autos, que configuram, de forma indene de dúvidas, dano moral a seus empregados, expondo-os a situação de ridículo e constrangimento perante a todos os colegas de trabalho, bem como a sociedade em geral, por serem obrigados a transitar com uniforme onde constavam apelidos ofensivos, o que ocorreu em razão de ato patronal violador do princípio da dignidade da pessoa humana”. (TRT 21ª Região – RO 01034-2005 (AC 61415) – J. 15.08.2006 – P. 22.08.2006 no DJE/RN). A condenação ocorreu porque os empregados que não obtinham ou não atingiam as cotas de vendas estabelecidas eram constrangidos a receber e ouvir insultos, pagar flexões de braço, dançar na “boquinha da garrafa”, assistir a reuniões em pé, desenhar caricaturas no quadro, fantasiar-se, além de outras “prendas”.
Em outro julgamento, realizado pelo TRT da 10ª Região, uma construtora, que prestava serviços ao Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos do Distrito Federal (DMTU/DF), foi condenada por dano moral coletivo em razão de praticar assédio moral coletivo, juntamente com os outros envolvidos, e teve de pagar indenização no valor de R$ 100 mil, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Nesse julgado, o DMTU e seu gerente foram condenados a não submeter empregados que estejam prestando serviços a qualquer constrangimento moral decorrente de perseguições, ameaças, intimidações, humilhações ou agressividade no trato pessoal. Em caso de descumprimento, o TRT determina multa diária no valor de R$ 500 para o DMTU e de R$ 100 para o gerente, duplicada em caso de reincidência e quadruplicada para nova reincidência.
Em uma outra ação ajuizada pelo MPT na vara do trabalho de Nova Andradina – MS, a juíza fixou pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 50 mil, além da obrigação de não mais assediar moralmente seus empregados à filial de uma rede de eletrodomésticos. Segundo os depoimentos dos empregados da loja, os gerentes perseguiam, intimidavam e ameaçavam com demissão os vendedores para que cumprissem as metas estabelecidas.
Os trabalhadores que faziam reclamações eram reprimidos por meio de “folgas” não remuneradas e, após o retorno ao trabalho, ainda sofriam humilhações do gerente e dos colegas de trabalho.
Ao final do expediente, por ocasião do fechamento do caixa, se faltasse dinheiro, o gerente exigia que os funcionários fizessem rateio para pagamento da diferença no ato e em dinheiro, sob ameaça de não permitir que eles fossem embora sem pagar os valores. Alguns empregados tinham de fazer empréstimo utilizando o serviço da própria empresa.
Sendo assim, restam caracterizados os elementos de configuração do assédio moral coletivo nas relações trabalhistas e alguns exemplos de casos concretos.
4. Assédio Moral Coletivo no Direito Comparado
Inicialmente, deve-se citar que a Convenção nº 155, de 1981, elaborada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre segurança, saúde dos trabalhadores e meio ambiente, ratificada pelo Congresso Nacional em 1992 e promulgada pelo Decreto federal nº 1.254/94, estabelece em seu artigo 3º que o termo “saúde”, com relação ao trabalho, “abrange não só a ausência de afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.”10
Logo, como o assédio moral coletivo causa sérios danos à saúde mental e física dos trabalhadores, evidente que a mencionada convenção tem o objetivo de evitar que essa prática se desenvolva nos locais de trabalho.
Ademais, a OIT também defende o direito do trabalhador ao “trabalho decente”. A entidade conceitua trabalho decente como “um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade, e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho”11
Verifica-se, assim, que a OIT, ao defender o trabalho produtivo e em condições de liberdade, equidade e segurança a todos os trabalhadores, repudia a idéia do assédio moral coletivo que constitui um dos fatores prejudiciais a idéia do trabalho decente.
Além disso, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, o crescimento das doenças psicológicas no ambiente de trabalho será uma das principais características do próximo século. Milhares de trabalhadores serão afastados de seus postos de trabalho em virtude do impacto do estresse no ambiente de trabalho e da “Síndrome do Burn out” 12 oriundos de um mundo do trabalho em crise.13
Cumpre ressaltar que em muitos casos tanto o estresse ocupacional como a “síndrome do burn out” têm como causa o assédio moral coletivo praticado pela empresa.
Na tentativa de evitar-se a prática dessa espécie de assédio, a Diretiva 2000/78/CE, de 27 de Novembro de 2000, da União Européia estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional. A proposta de diretiva visa combater tanto a discriminação direta, que consiste na diferença de tratamento baseada em particularidades específicas, como a discriminação indireta, que compreende as disposições, critérios ou práticas aparentemente neutras, mas suscetíveis de produzir efeitos desfavoráveis para uma determinada pessoa ou grupo de pessoas deteminado ou ainda a incitação à discrimação.
Nesse sentido, para a mencionada diretiva “a atitude persecutória, que cria um ambiente hostil no ambiente de trabalho, é considerada uma discriminação”14. Logo, o assédio moral coletivo, por criar esse ambiente hostil na empresa, é vedado pelo ordenamento jurídico da União Européia.
Além dessa diretiva, existe ainda a Resolução A5-0283/01, do Parlamento Europeu sobre o assédio no local de trabalho (2001/2339 (INI)), publicada no Jornal Oficial C 77 E, de 28.03.2002.15 Segundo as constatações da Agência Européia para a Segurança e a Saúde no Trabalho, o assédio constitui um risco potencial para a saúde que frequentemente leva às doenças relacionadas com o stress.”
Essa resolução adverte para as consequências devastadoras do assédio moral na saúde física e psíquica daqueles que dele são alvo - e consequentemente das suas famílias - e que necessitam de assistência médica e psicoterapêutica, o que, de forma geral, os induz a ausentarem-se do trabalho por razões de doença ou os incita a demitirem-se.
A prática do assédio moral coletivo também é observada no Japão. Ela ocorre em relação a executivos japoneses que no final da carreira são isolados e transformados em “colaboradores virtuais” ou trabalhadores invisíveis, para que a empresa não arque com os custos econômicos e de imagem que uma dispensa implicaria. As práticas adotadas pelas empresas consistem em não avisar o executivo das reuniões, a copeira ou os próprios colegas se esquecem de lhe servir o chá e o superior hierárquico raramente lhe dirige a palavra. Apenas o estritamente necessário é dito a esses executivos para que eles não se esqueçam que existem. Tudo é feito com o intuito de mostrar-lhes que eles se transformaram um ‘estorvo no trabalho’.16
5. Entendimento Jurisprudencial
Abaixo, passamos a apresentar julgados proferidos pelos nossos Tribunais.
O primeiro deles trata de ocorrência de dano moral coletivo no caso de cooperativa fundada com o intuito de fornecimento de mão-de-obra para uma determinada empresa:
“ainda que tenha sido considerado que a prática das reclamadas de substituir os empregados por mão-de-obra fornecida pela cooperativa, como se cooperados fossem, em desvirtuamento ao objetivo cooperativista, constitui comportamento que tipifica a desvalorização do trabalho humano, contrário ao ordenamento jurídico, conforme dispõe o artigo 1º, III e IV da Constituição Federal, não houve reconhecimento de que tal comportamento tenha atingido a coletividade, ou outros trabalhadores, mas tão somente os indivíduos envolvidos neste caso concreto. Dessa forma, o fator decisivo foi a ausência de caracterização do dano extensivo à sociedade” (TST, Processo: RR - 921/2004-079-03-00.6, Data de Julgamento: 27/08/2008, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 19/09/2008).
Em outro acórdão é identificada a ocorrência de dano moral coletivo no caso de contratação irregular de trabalhadores por uma empresa específica:
“Pelo que se pode constatar, trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Trabalho da 20ª Região, em defesa dos interesses individuais homogêneos e coletivos, em face de irregularidades constatadas quando da admissão de empregados pela ré, a título de experiência, por meio de contrato de trabalho com campos destinados à data de prorrogação em branco, bem com de empregados sem registros e irregularidade no pagamento de salário. Nesse passo, a conclusão exarada no acórdão recorrido foi de que se trata de dano moral coletivo, em face da ofensa ao patrimônio de certa comunidade, razão por que manteve a condenação.” (Processo: AIRR - 1145/2006-003-20-40.6 Data de Julgamento: 29/10/2008, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DJ 07/11/2008).
Além disso, a Justiça já proferiu condenação por dano moral coletivo em razão da utilização do Poder Judiciário como homologador de acordos trabalhistas:
“Assim, aplicando-se o disposto na segunda parte do art. 302 do CPC, presume-se que a requerida vinha utilizando, de forma rotineira, a Justiça do Trabalho como mero órgão homologador, e, pior ainda, com força de coisa julgada, impedindo assim que os empregados buscassem os seus direitos trabalhistas. (...) além de retardar, no presente e no futuro, a prestação jurisdicional dos demais empregados, deixa a marca indelével na coletividade local, tanto na ala patronal, quanto na obreira, que é possível sepultar direitos trabalhistas mediante estratagemas, especialmente com o aval do Judiciário. Em suma, viola um dos valores supremos da sociedade, previstos no preâmbulo da Constituição Federal, que é a busca de uma sociedade justa.” (Desembargador Relator Samuel Hugo Lima, TRT/15ª Recurso Ordinário nº 00195-2006-086-15-00-6, 3ª Turma, 6ª Câmara).
Em outro caso concreto julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho foi constatada violação a direito coletivo, transindividual, de natureza indivisível, cujos titulares eram os trabalhadores rurais da região de MG, ligados entre si com os autores da violação por uma relação jurídica base em que o primeiro grupo dispendia sua força de trabalho em condições que aviltava a honra e a dignidade nas propriedades dos últimos. Assim entendeu o TST:
“Verificado o dano à coletividade, que tem a dignidade e a honra abalada em face do ato infrator, cabe a reparação, cujo dever é do causador do dano. O fato de ter sido constatada a melhoria da condição dos trabalhadores em nada altera o decidido, porque ao inverso da tutela inibitória que visa coibir a prática de atos futuros à indenização por danos morais visa reparar lesão ocorrida no passado, e que, de tão grave, ainda repercute no seio da coletividade” (AIRR-561/2004-096-03-40.2, 6ª T, Aloysio Corrêa Da Veiga - Ministro Relator, DJ - 19/10/07).
6. Elementos do Dano Moral Coletivo
O dano moral coletivo é formado pelos seguintes elementos: a) conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, seja pessoa física ou pessoa jurídica; b) ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade (comunidade, ou grupo, ou categoria ou classe de pessoas); c) intolerabilidade da ilicitude, diante da realidade apreendida e da sua repercussão social; d) nexo causal observado entre a conduta e o dano correspondente à violação do interesse coletivo (lato sensu).17
Nesse sentido, a jurisprudência pondera que no campo da coletividade, considerando-se os interesses transindividuais em jogo, para a ocorrência do dano coletivo não há sequer necessidade de vinculação ao foro íntimo ou subjetivo dos seus membros, pois o dano moral, nesse caso, não está amarrado ao antigo conceito de “dor psíquica”.
Como exemplo cita-se o entendimento do TRT da 4ª Região proferido no Acórdão do processo nº 00900-2006-007-04-00-3 cuja redatora foi a Desembargadora do Trabalho Maria Helena Mallmann: “Não há que se falar em impossibilidade de dano moral coletivo. De há muito que doutrina e jurisprudência já repeliram a vinculação do dano moral ao sofrimento psíquico, conforme argumentos abaixo:
“(c) o dano moral não diz respeito apenas à ofensa restrita à esfera da dor e do sofrimento, havendo inequivocamente interesses jurídicos extrapatrimoniais, também referidos a coletividade de pessoas, que são tutelados pelo ordenamento em vigor (a exemplo da manutenção de condições ambientais e de vida saudáveis, da não-discriminação de trabalhadores, da preservação do patrimônio histórico-cultural, da transparência nas relações de consumo, da preservação do patrimônio público, etc.);
(f) a reparação do dano moral coletivo não tem relação necessária com o reconhecimento e visualização de “sofrimento”, “aflição”, “angústia”, “constrangimento” ou “abalo psicofísico” atribuído a uma dada coletividade, ou mesmo com a idéia de se enxergar uma “alma” própria, passível de visibilidade, a possibilitar uma “ofensa moral”; (Xisto Medeiros Neto, Dano Moral Coletivo, São Paulo: LTr, 2007, p. 191).
Sendo assim, a prova do dano moral coletivo é a ocorrência de conduta antijurídica em si mesma, que viole interesses transindividuais, sendo irrelevante a verificação de prejuízo material concreto, posto o dano verificar-se, no caso, com o simples fato da violação.
Nas esferas das relações de trabalho, o desrespeito às normas de proteção à saúde e segurança laboral, que encontra ressonância nas prescrições dos arts. 200, VIII e 225 (como garantia do meio ambiente de trabalho sadio) e art. 7º, XXXIII, da Constituição da República (quanto ao dever patronal de redução dos riscos inerentes ao trabalho) constitui exemplo de configuração de dano moral coletivo. Tal hipótese é a mais comum nos julgados dos tribunais trabalhistas sobre a questão.
Como exemplo disso, convém demonstrar trecho de acórdão do TRT da 2ª região que condenou a empresa Cosipa por dano moral coletivo no valor de R$ 4.000.000,00 pelo contato que seus empregados tiveram com benzeno o que lhes acarretou o desenvolvimento de leucopenia. Segue abaixo teor da decisão:
“Na realidade, esses infaustos acontecimentos transcendem o direito individual e atingem em cheio uma série de interesses, cujos titulares não podemos identificar a todos desde logo, contudo inegavelmente revela a preocupação que temos que ter com o bem-estar coletivo, e o dano no sentido mais abrangente que nele resulta chama imediatamente a atenção do Estado e dos setores organizados da sociedade de que o trabalhador tem direito a uma vida saudável e produtiva. (...) A atenção desta Justiça, indiscutivelmente, no presente caso, volta-se para o meio ambiente de trabalho, e referido valor arbitrado ao ofensor, busca indenizar/reparar/restaurar e assegurar o meio ambiente sadio e equilibrado. Aliás, a Usiminas, após adquirir a Cosipa, passou por um processo de reestruturação e, no ano passado, o Grupo “Usiminas-Cosipa” apresentou uma produção correspondente a 28,4% da produção total de aço bruto. Deve, por conseguinte, dada sua extrema importância no setor siderúrgico, assumir uma postura mais digna frente ao meio ambiente, bem como perante os trabalhadores que tornaram indigitado sucesso possível.” (Acórdão nº: 20070504380, TRT/SP processo nº: 01042199925502005, Desembargador Relator Valdir Florindo).
7. Finalidade da indenização por dano moral coletivo
A maneira mais simples de composição do dano é a “restituição” da coisa. Quando a redução do patrimônio compreende a privação de um objeto, como ocorre no furto ou na apropriação indébita, a primeira forma de restaurar a situação da vítima é colocar em suas mãos a res furtiva.18
O ordenamento jurídico nacional regula o instituto da restituição nos artigos 119 e 120 do Código de Processo Penal e artigo 952 do Código Civil. Todavia, a mera restituição da coisa não abrange todo o dano, porque se deve ressarcir o dano por inteiro. O ressarcimento é o pagamento de todo o dano patrimonial sofrido, incluído aí o prejuízo emergente e o lucro cessante. No momento em que não é possível ressarcir o dano em razão de seu caráter patrimonial, utiliza-se o termo “reparação”. Esta serve para reparar o dano e para confortar a dor resultante da ofensa.
A reparação acontece, principalmente, no caso de dano moral, ou seja, de dano que não provoca qualquer prejuízo patrimonial de forma direta ou indireta. Assim, o ressarcimento e a reparação têm cabimento no caso de ato ilícito.
Já se o dano decorre de ato lícito, não há que se falar em ressarcimento ou reparação, mas em “indenização”. A indenização é a forma de se compensar o dano oriundo do ato lícito do Estado, como por exemplo, a desapropriação de um imóvel privado.19
Assim, a reparação do dano moral coletivo tem função predominantemente sancionatória. Diferentemente das reparações normais, que como o próprio nome indica, se preocupam mais fortemente com a restituição ao status quo ante, a reparação por dano moral coletivo tem nítido caráter pedagógico, que assume prevalência até mesmo em relação à indenização propriamente do dano causado à coletividade.
8. Conclusão
A prática de assédio moral coletivo compreende fator extremamente prejudicial ao meio ambiente do trabalho, à saúde mental e também física dos trabalhadores.
A OIT e a UE já tomaram medidas com o intuito de inibir e evitar a prática das condutas caracterizadoras do assédio.
O resultado do assédio moral coletivo estará caracterizado quando for constatada a existência de doença psíquico-emocional através de perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área nas vítimas pertencentes a uma determinada coletividade.
Além disso, as vítimas dessas condutas assediadoras que não sofrerem esse tipo específico de dano (doença psíquico-emocional) não ficarão desprotegidas, porque poderão pleitear danos morais pela violação aos seus direitos de personalidade.
Sônia Mascaro Nascimento é Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela USP, Membro Diretor do Instituto Ítalo-brasileiro de Direito do Trabalho, Coordenadora de cursos de Pós-Graduação em Direito do Trabalho em diversas instituições, professora de Direito do Trabalho, advogada e consultora.
______________
Notas de Rodapé
1 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. LTR 56-07, julho/92, pp. 809/810.
2 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
3 Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;
4 TEIXEIRA, João Carlos. Dano Moral Coletivo. São Paulo, LTr, 2004, pp. 140-141.
5 GRINOVER, Ada Pelegrini. Das class action for damages à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Rio de Janeiro, Revista Forense, 2000, v.1, p. 352.
6 Pedreira da Silva, Luiz de Pinho. A Reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho, 2004, LTr, SP, pg. 133.
7 CALVO, Adriana Carrera. Assédio Moral Institucional e a Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: . Acesso em: 13.jan.2009.
8 ARAÚJO, Adriane Reis de. Assédio Moral Organizacional. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 73, nº 2, abr/jun 2007.
9 COPOLA, Gina. O direito ambiental do trabalho e a figura do assédio moral. IOB - Repertório de Jurisprudência Trabalhista e Previdenciário, vol. II, nº 23/2004.
10 Disponível em: . Acesso em: 13.jan.2009.
11 Disponível em: . Acesso em: 09.jan.2009.
12 Tal síndrome se refere a um tipo de estresse ocupacional e institucional com predileção para profissionais que mantêm uma relação constante e direta com outras pessoas, principalmente quando esta atividade é considerada de ajuda (médicos, enfermeiros, professores). A Síndrome de Burnout é definida como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho. É caracterizada pela ausência de motivação ou desinteresse; mal estar interno ou insatisfação ocupacional que parece prejudicar, em maior ou menor grau, a atuação profissional de alguma categoria ou grupo profissional. Disponível em: . Acesso em: 12.jan.2009.
13 CALVO, Adriana Carrera. Assédio Moral Institucional e a Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: . Acesso em 09.jan.2009.
14 Disponível em: . Acesso em: 09.jan.2009.
15 UNIÃO EUROPÉIA. Resolução 2001/2339 (INI). Disponível em: . Acesso 1. nov. 2007.
16 HELOANI, Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado. História da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Ed. Atlas, 2003, p. 161.
17 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago. Dano Moral Coletivo, São Paulo: LTr, 2007, p. 136.
18 ROMITA, Arion Sayão. Dano moral coletivo. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 73, nº 2, abr/jun 2007.
19 Idem.
“Trabalho em Revista”, encarte de DOUTRINA “O TRABALHO” – Fascículo n.º 145, Março/2009, p. 4905.

|

0 Comments

Postar um comentário

Copyright © 2009 Paula Direito All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive.