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O vírus dogmático doutrinário ideológico na Justiça do Trabalho
Posted by Paulinha
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12:32
in
Doutrina
O vírus dogmático doutrinário ideológico na Justiça do Trabalho
(07.04.09)
Por José Antônio Rodrigues Lemos,
advogado (OAB/RS nº 7813)
O Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre, é local de descanso e bate-papo entre advogados, juízes, promotores e servidores dos diversos órgãos judiciários vizinhos.
Certa tarde, o advogado comparecera a uma vara trabalhista para examinar processo de uma execução já finda. Retirou em carga, extraiu cópias, devolveu os autos e dirigiu-se ao shopping, na esperança de encontrar com quem trocar idéias sobre a ação.
O destino foi um bar da extremidade sul. Encontrou dois advogados, sentou-se na cadeira oferecida e pediu cafezinho.
Os colegas falavam sobre a morosidade da justiça estadual. Um deles comentava processo que completaria dez anos em junho, e que ainda aguardava extração do precatório para a execução do Estado, o que significaria talvez mais dez anos de espera, ou opção pelo acordo em valor máximo 30% do devido.
- Por isso que mantenho distância do Estado e da Justiça Estadual – disse o primeiro advogado. Até para estacionar é problema; ou paga estacionamento caro, ou aguarda vaga na rua, que é bem mais barata.
- Depende do tempo de permanência. Na rua há limite de duas horas – ponderou um dos colegas.
- Na rua é sempre mais barato – retrucou o primeiro, complementando que "o meu problema na Justiça do Trabalho até agora se limitava ao preparo, comparecimento a audiências e acompanhamento das execuções. Agora, por força de algum ´vírus dogmático doutrinário ideológico´, estão surgindo variações surpreendentes na condução dos processos"...
Os outros riram e pediram exemplo e escutaram o relato:
- Outro dia houve equívoco na lavratura de uma ata de conciliação, com pagamento de acordo em cinco parcelas. Da última não constou a data de pagamento, o que passou desapercebido para todos. No dia seguinte a juíza indeferiu petição declaratória, alegando que não poderia interferir nos limites do acordo entre as partes! Hoje retornei a outra Vara do Trabalho, para encarar um despacho determinando ao reclamante, um hipossuficiente de periferia, determinando que ele devolvesse mais de dois mil reais, parte da quantia recebida em outro acordo!
- Qual foi o fundamento? – quiseram saber.
- Foi o seguinte. A conciliação alcançou R$ 5.000,00 de principal e R$ 500,00 de honorários, ambas as parcelas a serem depositadas na minha conta bancária, como advogado com poderes para receber e dar quitação. Estipulada a multa de 30% em caso de inadimplemento, na data de vencimento foi depositado apenas o principal. Peticionei cobrando a multa sobre o valor total do acordo.
- Postulaste o máximo para alcançar o devido... - observou um dos advogados.
- Depende de interpretação, meu caro! Para isso tem-se que analisar inclusive a capacidade econômica das partes. A empresa é uma multinacional que, manifestamente, desconsidera a atuação do Judiciário trabalhista. O reclamante é um jovem motoqueiro de entregas, um hipossuficiente. Qualquer das duas interpretações podem ser admitidas, mas no caso penso que a mais correta, porque manifestamente justa e exemplar, seria a incidência da multa sobre o total! Ela representa antes de tudo castigo. Punição a quem não só descumpriu o acordado por negligência, mas também por arrogância.
- E o que aconteceu?
- Aconteceu a citação da empresa para pagamento não somente do que já fora pago, os cinco mil, mais também a multa sobre o total e sobre os honorários!
- Excesso... – concordaram todos.
- Aí, houve depósito desse valor, por meio de bloqueio de conta bancária e expedição de alvarás, para o principal e honorários. Fiquei somente com o segundo, devolvendo o outro com pedido de novos cálculos. Então a Secretaria realizou novos cálculos a partir de despacho da mesma juíza, que reconheceu o equívoco e determinou a incidência da cláusula penal sobre principal e honorários!
- Então houve decisão judicial! – observou um dos colegas.
- Houve. A Secretaria expediu novo alvará que foi levantado e apresentado na agência bancária. Posteriormente a quantia foi entregue ao reclamante, sob recibo, no meu escritório.
- O ato judicial se aperfeiçoou! – comentaram.
- Exato! Pois se passaram dias, talvez um mês. Aí me surgiu esse despacho de tirar o apetite pela vida profissional. Uma segunda juíza, após todo esse tempo, recebeu os autos conclusos e determinou a expedição de citação ao reclamante, para que devolvesse a segunda quantia recebida, em 15 dias, eis que um ofício do banco esclarecera que o principal fora depositado na data prevista!
- Houve pedido da empresa?
- Não!
- Mas já havia um ato jurídico perfeito! – espantaram-se os outros.
- Sim. E sua proteção está no artigo 5º da Constituição Federal, parágrafo 36 – acrescentou o primeiro.
- Tens razão, é vírus, ´vírus dogmático-doutrinário-ideológico´, como definiste! Vais fazer o quê? Mandado de segurança?
- Talvez. Certamente embargos. Mas sabe o que me disseram, com sorriso matreiro, na Secretaria da Vara? Que o reclamante teria que depositar o valor para que os embargos fossem aceitos!
- Vocês têm que ponderar que estamos vivendo o clímax da liberação feminina dos anos 60 e 70, também com a devida e necessária proteção constitucional – advertiu um deles, com cenho em declive e face paralisada.
Os outros sorriram.
- Lembram da estampa de Camila Pitanga na novela Paraíso Tropical, da Globo? – indagou o primeiro. Foi em 2007, ela era Bebel e falava-se que a personagem e a novela tentavam reviver o clima daquelas décadas, principalmente do modelo revolucionário Leila Diniz.
- É. Parece que se trata de desmontar o perfil ´dona-de-casa´, conferido à mulher desde menina. E também me parece que essa antiga tentativa de desconstruir o ´feminino bem comportado´ resultou numa certa insegurança psíquica quanto a valores. Para algumas, bem entendido.. – comentou um deles.
E ele próprio justificou:
- Há o abuso na radicalização. Qualquer inclinação ao equilíbrio recebe imediata repulsa psicológica, e o resultado são atitudes com acento na fisionomia da contracultura dos anos sessenta. São reações de forma egocêntrica, acaso perversa, obedecendo ao culto de si mesmas, cumprindo a vontade imatura do exercício do poder público como se fosse privado.
Todos concordaram. Um deles até bateu algumas palmas, que foram secundadas pelos demais.
Assim também se recupera o ânimo.
(*) E-mail: jalemos@via-rs.net
(07.04.09)
Por José Antônio Rodrigues Lemos,
advogado (OAB/RS nº 7813)
O Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre, é local de descanso e bate-papo entre advogados, juízes, promotores e servidores dos diversos órgãos judiciários vizinhos.
Certa tarde, o advogado comparecera a uma vara trabalhista para examinar processo de uma execução já finda. Retirou em carga, extraiu cópias, devolveu os autos e dirigiu-se ao shopping, na esperança de encontrar com quem trocar idéias sobre a ação.
O destino foi um bar da extremidade sul. Encontrou dois advogados, sentou-se na cadeira oferecida e pediu cafezinho.
Os colegas falavam sobre a morosidade da justiça estadual. Um deles comentava processo que completaria dez anos em junho, e que ainda aguardava extração do precatório para a execução do Estado, o que significaria talvez mais dez anos de espera, ou opção pelo acordo em valor máximo 30% do devido.
- Por isso que mantenho distância do Estado e da Justiça Estadual – disse o primeiro advogado. Até para estacionar é problema; ou paga estacionamento caro, ou aguarda vaga na rua, que é bem mais barata.
- Depende do tempo de permanência. Na rua há limite de duas horas – ponderou um dos colegas.
- Na rua é sempre mais barato – retrucou o primeiro, complementando que "o meu problema na Justiça do Trabalho até agora se limitava ao preparo, comparecimento a audiências e acompanhamento das execuções. Agora, por força de algum ´vírus dogmático doutrinário ideológico´, estão surgindo variações surpreendentes na condução dos processos"...
Os outros riram e pediram exemplo e escutaram o relato:
- Outro dia houve equívoco na lavratura de uma ata de conciliação, com pagamento de acordo em cinco parcelas. Da última não constou a data de pagamento, o que passou desapercebido para todos. No dia seguinte a juíza indeferiu petição declaratória, alegando que não poderia interferir nos limites do acordo entre as partes! Hoje retornei a outra Vara do Trabalho, para encarar um despacho determinando ao reclamante, um hipossuficiente de periferia, determinando que ele devolvesse mais de dois mil reais, parte da quantia recebida em outro acordo!
- Qual foi o fundamento? – quiseram saber.
- Foi o seguinte. A conciliação alcançou R$ 5.000,00 de principal e R$ 500,00 de honorários, ambas as parcelas a serem depositadas na minha conta bancária, como advogado com poderes para receber e dar quitação. Estipulada a multa de 30% em caso de inadimplemento, na data de vencimento foi depositado apenas o principal. Peticionei cobrando a multa sobre o valor total do acordo.
- Postulaste o máximo para alcançar o devido... - observou um dos advogados.
- Depende de interpretação, meu caro! Para isso tem-se que analisar inclusive a capacidade econômica das partes. A empresa é uma multinacional que, manifestamente, desconsidera a atuação do Judiciário trabalhista. O reclamante é um jovem motoqueiro de entregas, um hipossuficiente. Qualquer das duas interpretações podem ser admitidas, mas no caso penso que a mais correta, porque manifestamente justa e exemplar, seria a incidência da multa sobre o total! Ela representa antes de tudo castigo. Punição a quem não só descumpriu o acordado por negligência, mas também por arrogância.
- E o que aconteceu?
- Aconteceu a citação da empresa para pagamento não somente do que já fora pago, os cinco mil, mais também a multa sobre o total e sobre os honorários!
- Excesso... – concordaram todos.
- Aí, houve depósito desse valor, por meio de bloqueio de conta bancária e expedição de alvarás, para o principal e honorários. Fiquei somente com o segundo, devolvendo o outro com pedido de novos cálculos. Então a Secretaria realizou novos cálculos a partir de despacho da mesma juíza, que reconheceu o equívoco e determinou a incidência da cláusula penal sobre principal e honorários!
- Então houve decisão judicial! – observou um dos colegas.
- Houve. A Secretaria expediu novo alvará que foi levantado e apresentado na agência bancária. Posteriormente a quantia foi entregue ao reclamante, sob recibo, no meu escritório.
- O ato judicial se aperfeiçoou! – comentaram.
- Exato! Pois se passaram dias, talvez um mês. Aí me surgiu esse despacho de tirar o apetite pela vida profissional. Uma segunda juíza, após todo esse tempo, recebeu os autos conclusos e determinou a expedição de citação ao reclamante, para que devolvesse a segunda quantia recebida, em 15 dias, eis que um ofício do banco esclarecera que o principal fora depositado na data prevista!
- Houve pedido da empresa?
- Não!
- Mas já havia um ato jurídico perfeito! – espantaram-se os outros.
- Sim. E sua proteção está no artigo 5º da Constituição Federal, parágrafo 36 – acrescentou o primeiro.
- Tens razão, é vírus, ´vírus dogmático-doutrinário-ideológico´, como definiste! Vais fazer o quê? Mandado de segurança?
- Talvez. Certamente embargos. Mas sabe o que me disseram, com sorriso matreiro, na Secretaria da Vara? Que o reclamante teria que depositar o valor para que os embargos fossem aceitos!
- Vocês têm que ponderar que estamos vivendo o clímax da liberação feminina dos anos 60 e 70, também com a devida e necessária proteção constitucional – advertiu um deles, com cenho em declive e face paralisada.
Os outros sorriram.
- Lembram da estampa de Camila Pitanga na novela Paraíso Tropical, da Globo? – indagou o primeiro. Foi em 2007, ela era Bebel e falava-se que a personagem e a novela tentavam reviver o clima daquelas décadas, principalmente do modelo revolucionário Leila Diniz.
- É. Parece que se trata de desmontar o perfil ´dona-de-casa´, conferido à mulher desde menina. E também me parece que essa antiga tentativa de desconstruir o ´feminino bem comportado´ resultou numa certa insegurança psíquica quanto a valores. Para algumas, bem entendido.. – comentou um deles.
E ele próprio justificou:
- Há o abuso na radicalização. Qualquer inclinação ao equilíbrio recebe imediata repulsa psicológica, e o resultado são atitudes com acento na fisionomia da contracultura dos anos sessenta. São reações de forma egocêntrica, acaso perversa, obedecendo ao culto de si mesmas, cumprindo a vontade imatura do exercício do poder público como se fosse privado.
Todos concordaram. Um deles até bateu algumas palmas, que foram secundadas pelos demais.
Assim também se recupera o ânimo.
(*) E-mail: jalemos@via-rs.net
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